IN FORMA

Por Marino Boeira

O engodo das lutas identitárias

Há muito tempo que o tema "Lutas Identitárias" faz parte dos discursos políticos da chamada Esquerda e tem presença constante nos meios de Comunicação. Aqui mesmo no Coletiva.net há espaço permanentemente reservado para jornalistas que dizem representar os interesses e os projetos de segmentos que se consideram vítimas de alguma maneira de preconceitos sociais e econômicos da nossa sociedade. Os mais em evidência são os que discutem o racismo e a homofobia.

A frase típica para caracterizar o racismo é de que ele faz parte da cultura brasileira e é estruturado. É aquela velha máxima da mentira repetida mil vezes até virar verdade. Não existe racismo estruturado na sociedade brasileira. Essa é uma visão importada dos Estados Unidos, onde ele realmente faz parte da cultura e das tradições do país. O Brasil é o país da miscigenação. A abolição da escravatura aqui foi tardia porque a economia do País se estruturava em cima do trabalho escravo. Mesmo depois do fim da escravidão, o negro continuou sendo discriminado, porque ele ficou marginalizado do processo de produção, quando foi substituído pela mão de obra branca importada da Europa, onde sobravam braços para o trabalho. Claro que existe preconceito racial hoje no Brasil, mas ele é oriundo de um preconceito muito maior, o de classes. O negro é discriminado porque é pobre. A cor da pele seria apenas mais uma forma de identificar esse pobre. A discriminação cessa quando ele ascende de classe.

Outra falácia é a tal busca das nossas raízes culturais na África. Foram dezenas de povos e etnias diferentes que foram trazidos da África. Aqui, eles se miscigenaram com o branco português e deram origem ao que poderíamos chamar de modelo brasileiro, cantado em prosa e verso por Ari Barroso, Vinicius de Moraes (que se intitulava até de Capitão do Mato), Dorival Caymmi e tantos outros.

Ao contrário dos Estados Unidos, de onde alguns importaram o conceito de racismo estrutural, aqui não existe esse conceito de sangue negro ou branco. O que identifica brancos, pretos, mulatos ou cafuzos no Brasil é apenas a cor da pele. Somos todos mestiços. Somente o oportunismo político pode justificar a declaração do atual ministro da Justiça, Flávio Dino, de que é negro. Ele, como eu, talvez como você que está me lendo, somos todos mestiços. E mestiços, com orgulho.

Quando o novo governo do Lula se jacta de colocar no seu ministério representantes de todas as minorias, ele está fazendo apenas um gesto de relações públicas que não contribui em nada para acabar com a histórica discriminação contra os pobres, que inclui o preconceito de raça e cor, parte das tradições mais arraigadas das classes dominantes no Brasil.

A outra grande bandeira identitária é a luta contra o machismo e sua decorrência, a homofobia. Obviamente, as mulheres têm sido discriminadas historicamente, mas isso não acontece por acaso. Manter as mulheres em condições materiais de inferioridade com os homens, sempre serviu para aumentar os ganhos da classe capitalista. Na Inglaterra da revolução industrial, ao lado das crianças, as mulheres formavam um exército de reserva para manter muito baixo os salários dos trabalhadores homens.

Não é por acaso que foi na primeira sociedade socialista de economia planificada, a União Soviética, que a mulher se igualou ao homem em direitos e deveres. Foi lá que, em primeiro lugar o aborto foi regulamentado e que as mulheres foram trabalhar nas fábricas e fazer parte do exército, com os mesmos direitos e obrigações dos homens.

As lutas identitárias podem ter algum valor como conscientização de minorias, sejam raciais ou de preferências sexuais, mas escondem o fato de que a igualdade entre todos, só poderá ser alcançada numa sociedade sem classes e isso é uma batalha pelo Socialismo e não apenas por direitos parciais de alguns grupos.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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