Ghost!
Confesso que não sabia o quanto o ofício de ghost writter se popularizara. Há vários sites com ofertas tentadoras. "Escrevo o seu livro, trazendo-lhe …
img src="fotos/coluna_eliziario_24_09.jpg" align="left" border="1"> Confesso que não sabia o quanto o ofício de ghost writter se popularizara. Há vários sites com ofertas tentadoras. "Escrevo o seu livro, trazendo-lhe fama, sucesso e destaque social", promete um. "O custo por página poderá variar de R$ 10,00 a R$ 50,00, dependendo do número de páginas e da complexidade do trabalho", informa outro. "Lembre-se que esse custo não sofrerá acréscimos decorrentes da legislação trabalhista nem haverá relação de emprego, isentando-o de todos os adicionais legais que tornam inviável a inclusão de um profissional assim em sua folha de pagamentos", esclarece o fantasma-que-escreve.
Nada contra a situação em si. Cada um ganha a vida como pode. Considerando-se o complicado mercado de trabalho do jornalista e a quase impossibilidade de alguém se manter com dignidade apenas com o fruto do trabalho de escritor, salvo as exceções de praxe, nada mais natural que os fantasmas saiam dos gaveteiros e se aluguem para sonhar. Mas confesso que o tom da proposta me incomoda. A frase "escrevo seu livro, trazendo-lhe fama, sucesso e destaque social" sintetiza a banalização da literatura elevada ao grau máximo. Assim como pessoas de conta bancária profunda e mente rasa costumam comprar livros a metro para simular cultura, cuidando para que a cor da lombada combine com as almofadas, também é possível desfrutar do prazer de ver seu nome impresso na capa de um romance abrindo apenas a carteira, e não as idéias. Literatura virou isso.
Livros técnicos podem, e até devem, ar pela pena de um profissional, embora não haja qualquer razão para subtrair-lhe a autoria. O mais grave é que os tais sites acenam com a produção de romances e outros gêneros de ficção destinados apenas a atender à necessidade de reconhecimento público, uma vez que, por definição, estão impossibilitados de satisfazer a vaidade intelectual. É meio como marcar encontro com uma mulher e pedir que nos espere com as luzes apagadas. Aí mandamos em nosso lugar um garoto de programa, um sujeito jovem, malhado, com palavras decoradas, como convêm a um profissional do ramo. Tudo para que a mulher divulgue o quanto somos bons de cama.
Celebridades de outras áreas, mesmo as de competência indiscutível em seu ofício, mas pouco afeitas às delícias do vernáculo, se valem de ghost writter na confecção de biografias, por exemplo, mas, nesse caso, o writter não é tão ghost assim, uma vez que seu nome é quase sempre divulgado. Quando, no entanto, o inquilino do texto alheio é do ramo, ou diz ser, tal expediente não faz sentido. Ao contrário, como dificilmente a operação se manterá em sigilo por muito tempo, o reconhecimento ficará ao público em geral. Embora essa expressão pareça contraditória, quem encomendou o texto não terá os aplausos, mas as vaias dos pares, justamente o que tentou evitar.
Há fantasmas tão competentes na arte de simular o palavreado do patrão que chegam a rebaixar sua própria qualidade para soarem verossímeis. O bom ghost não é o que escreve muito bem, mas o que escreve apenas bem o suficiente para que se acredite na autoria. É de se imaginar casos em que tiveram de refazer o trabalho várias vezes até que o cliente acreditasse nas "próprias" palavras.
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