Futebol, psicanálise e filosofia
Ninguém vive a favor do vento em tempo integral, ninguém. Diria que a adversidade é o ambiente preponderante, seja qual for a sua idade, …
Ninguém vive a favor do vento em tempo integral, ninguém. Diria que a adversidade é o ambiente preponderante, seja qual for a sua idade, sexo, renda ou profissão. Psicanalistas costumam cavocar a origem dos nossos problemas, (quase sempre acabam encontrando ouro, para eles), embora me rendo ao fato de que eles trazem os problemas para céu aberto, nos desassombram e tentam ser nossos treinadores. E, justamente quando nos encontramos nas manjadas transitoriedades, ou seja, quando não chove e não molha, é aí que precisamos, e muito, da vitória do nosso time, caramba. É fuga? Que seja.
Não importa o seu time, mas, se você se compromete em assistir o jogo e torcer, no fundo sabe que está correndo algum risco de sair com alguma lesão de autoestima. (sensação de derrota, domingo à tarde e gripe, só tomando cicuta a cada meia hora). Espertinhos como eu costumam entrar com toda a energia no começo do jogo. Caso o meu time tome um gol no início do primeiro tempo, imediatamente tem início um método de superação infalível, (negação), segundo o qual um jogo de futebol é um incidente isolado, algo irrelevante e fugaz diante dos significados imponderáveis da vida. Do quanto não somos nada em meio aos verdadeiros mistérios da existência. Não faz sentido me deixar abalar pelo cartão vermelho do meu atacante, se as nossas indagações permanecem sem respostas; como o inefável sentido deste rio de lágrimas, sangue e lama, em cujas margens comemos pizza, vamos ao cinema e trocamos as fraldas das crianças.
Costumo pensar nessas coisas quando o meu time leva um gol no primeiro tempo. Sim, eles fizeram um gol no meu time, mas qual a influência deste gol face às tenebrosas profecias de Nostradamus sobre o final dos tempos? Nenhuma. Saio de frente da TV e vou para a cozinha fazer um café e fico imaginando que o futebol está para o capitalismo como o Circo Máximo esteve para Roma e seus imperadores cruéis, com a única diferença que ninguém morre. Mas no fundo é pão e circo. Ora, futebol? é muita pobreza de espírito depositar a minha felicidade nos pés daqueles garotos? De repente escuto o grito de gol. Geralmente interrompo as minhas abstrações filosóficas, derrubo a xícara de café em cima da pia e, ao tentar chegar o mais rápido possível diante da TV, quase sempre bato com o joelho no mesmo canto da mesinha de centro e caio no chão praguejando de dor sem tirar os olhos da TV. É gol do meu time!!! Eu sabia, eu nunca duvidei, foi ele, o meu garoto de ouro, (seguem-se alguns palavrões dirigidos ao time adversário). Gol na prorrogação, (não vi o gol de empate) ganhamos, ganhei, meu coração não se deixaria levar por um time que não fosse vitorioso, imagina. Então me dou conta de que, quando torço, e venço, saio de mim para ser fração indivisível de um imenso espírito coletivo e redentor. Deixo de ser indivíduo para ser time, grupo, multidão e apoteose triunfal. Renuncio ao meu ego ( quem diria) e me perco e me reencontro com mais legítima alegria que emana da inocência popular. Quem? Sócrates? Ah, sim, jogou na Seleção brasileira. Platão? Sim, claro, é o quanto custa o e do Riquielme, mutcha plata, no te parece? Ora, direis: e a Filosofia? Filosofia para mim é bola no fundo da rede. Me sinto indenizado. Nada mais simbólico, reparador e justo, depois de tantos es errados, das bolas que am raspando, e do pênalti que o juiz não deu. Não sei se me entende.