Fragmentos de um império

Em depoimento veiculado na noite de sábado pela TV Câmara, na forma de entrevista, Clóvis Sena contou que foi no Correio do Povo, quase …

Em depoimento veiculado na noite de sábado pela TV Câmara, na forma de entrevista, Clóvis Sena contou que foi no Correio do Povo, quase 50 anos atrás, que aprendeu a tratar com equilíbrio os fatos de natureza política. Originário do Maranhão e principiante no jornalismo em Brasília, até então ele conhecia o "jornalismo" político praticado em sua terra, no Rio e em São Paulo - sob comando da UDN, em todos os casos. Indicado por um amigo para correspondente do Correio do Povo, deparou-se com uma orientação editorial quase revolucionária. Deveria escutar e publicar também o que era dito pelos adversários da UDN, prática que só há poucos anos se tornou conhecida como "ouvir o outro lado".


Convivi com Seninha no início dos anos 80, ainda na sucursal de Brasília do Correio do Povo, quando eu iniciava uma jornada de 27 anos fora do Rio Grande do Sul. No depoimento de agora, ele usou o exemplo solitário do Correio nos primeiros anos da década de 1960 para sustentar a opinião de que o jornalismo político melhorou, porque está menos partidário e, então, mais democrático, plural.


É uma avaliação generosa, particularmente sobre o que agora chamamos de mídia impressa. Em essência e em regra, a evolução editorial que Sena percebe no noticiário político dos jornais e revistas é quase inexpressiva. O que mudou, basicamente, foi a matriz das orientações editoriais. Não é mais a UDN, extinta pela ditadura há mais de quatro décadas, e nem é outro partido, embora parcela majoritária da imprensa se identifique, digamos, com o ideário do PSDB. Hoje a matriz que orienta editorialmente o noticiário político é diversificada e, em medida variável de veículo para veículo e/ou de empresa para empresa, é formada até por leitores.


Ressalvadas algumas exceções anteriores, a posição e a opinião do público sobre temas políticos começaram a receber atenção das empresas jornalísticas em meados da década de 80, à medida que agonizava a ditadura. Depois a instituição do regime democrático e, bem mais recentemente, a explosão do o à internet fizeram conveniente a elevação dos leitores da imprensa a um novo patamar de influência. Mas ainda é consentida aos leitores apenas uma participação tímida, incipiente, que mal ultraa as seções de cartas (devidamente selecionadas pelos editores) e, em poucos casos, a formação e atuação de conselhos.


Não se sabe até onde irá a participação direta dos leitores, nem as consequências editoriais que produzirá. Até aqui, o noticiário político segue orientado pelos interesses ou afinidades das empresas, tenham natureza comercial, institucional, ideológica ou qualquer outra. É como se o velho império editorial da UDN tivesse se fragmentado em reinos de múltiplas espécie e inspiração.

Autor

O jornalista Robson Barenho está na profissão há 35 anos e, depois de ar pelas atividades de redação e de reportagem em rádio, TV e jornal, esteve em funções de chefia, gerência e direção de Jornalismo em Porto Alegre, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, nos jornais O Globo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e Correio Braziliense; na Rede Bandeirantes de Televisão e na Rede CBN. Atuou nas rádios Tupanci, Pelotense e Universidade, em Pelotas, e na Gaúcha. Foi para Brasília em 81 como correspondente da Guaíba e dos jornais da Caldas Junior. Ficou 27 anos entre Brasília, São Paulo e Rio,e  retornou a Porto Alegre no ano ado, onde atua na Pública Comunicação.

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