Fragmento I
Por José Antônio Moraes de Oliveira


Aquela vila perdida e distante de tudo e de todos não mostrava ao Viajante sinais que o tempo havia ado por ali. Não se via letreiros coloridos, caminhões despejando fumaça ou antenas parabólicas nos telhados de telhas vermelhas. Apenas a solitária igrejinha branca com sua torre sem sino, as ruas vazias e alguns cachorros dormitando à sombra dos cinamomos.
O dia amanheceu e surgiram os primeiros sinais de vida. Abriu-se uma janela no grande casarão da praça e apareceu um velho de barba e cabelos brancos. Vestia um antigo camisolão militar de campanha e dele corriam casos de fazer suspirar as almas mais sensíveis. No mal iluminado e mal cheiroso botequim da esquina, meia dúzia de homens tristes bebiam, inventavam estórias e pensavam maldades. Um deles jurava pela alma da mãe morta que a figura à janela era a do falecido capitão de cavalaria que expulsou a tiros de Calibre Doze os correntinos que se atreveram a acender uma fogueira na praça.
A seu canto, o calabrês dono do boteco estava quieto e calado. Era quem conhecia mais segredos do homem do casarão que todos os bêbados juntos. Lembrava da noite de temporal em que espiou por uma janela mal fechada e viu os dois sabres de cavalaria cruzados na parede branca sobre uma bandeira da Provincia Cisplatina chamuscada de pólvora e furada de balas.
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O Viajante ou diante do botequim e acenou para o calabrês. Depois deu mais uma volta na praça, desistiu e retornou para estrada. Com um gesto de mão afastou as lembranças tristes que sempre teimavam em voltar. Soprou para o alto a fumaça do cigarro e seguiu em frente, sabendo que não encontraria sua alameda de plátanos dourados e o rosto atrás de uma cortina de rendas brancas.
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