Feliz Natal para todos, se possível.

A cada Natal me assalta um conhecido fenômeno, o déjà vu, sim ,claro, eu já vivi isso antes. Muitas vezes. Contudo, está cada vez mais Déjà …

A cada Natal me assalta um conhecido fenômeno, o déjà vu, sim ,claro, eu já vivi isso antes. Muitas vezes. Contudo, está cada vez mais Déjà Déjà Déjà Vu Vu Vu. Não sei se ocorre com vocês, mas os últimos Natais repetem-se como numa lei de propabilidades de Einsten, em que somos transportados para os Natais ados e devolvidos para os de hoje, com uma velocidade espantosa e enjoativa. Mas não só isso. Os adultos vêm se comportando de um modo cada vez mais estranho. Por exemplo, no Natal do ano ado eles compartilharam os rituais como se fossem movidos por cordéis sob o comando de mão invisível, cujo mecanismo misterioso se repete, como num disco arranhado. Acho estranhíssimo quando amigos que se conhecem de longa data, repetem, como se fossem o boneco do ventrílogo, palavras prontas para a ocasião: "Feliz Natal e próspero Ano Novo." Não dá para dizer algo mais sincero, mais pessoal? Sei lá, não dizer nada e dar um abraço, pronto.


Óbvio, festa de Natal não é ambiente para se tomar um porre e tentar tirar as calças pela cabeça: a criançada está por ali, a família iria estranhar. No entanto, o que menos se vê através dos tempos é a tão desejada Noite Feliz ser feliz, conforme pressentimos o que seja felicidade.


Bom, se o Natal é uma festa tão propagandeada, tão esperada, tão devotada por todos, por que aquelas caras de constrangimento, aquela atmosfera  de limbo? (Combatida com generosas doses vinho, champanhe, uisque, caipirinha, água sanitária, e o que mais tiver à mão). E por que, no Natal, a bebida de álcool não faz efeito algum? Aliás, no meu caso, ela potencializa uma lucidez brutal. Tudo fica claro, claro demais, tudo é percebido três lances antes de acontecer. O parente que num átimo lança dardos envenenados com um olhar, o alvo que os devolve com um sorriso gélido. Alguns são mais sucetíves aos drinques. Sempre tem alguém que exagera na bebida e resolve "lavar a roupa suja" ali mesmo, e aí é barraco na certa. Para quem assiste é um porre de licor de ovos, mas tem a banda do "deixa disso" e, além do mais, parentes costumam ser imunes e invulneráveis às piores ofensas e desaforos, tudo acaba em beijos e abraços de reconciliação, o amor é lindo e a magia do Natal se encarrega de fazer os reparos.


E quando contratam um Papai Noel? Ho,ho,ho? francamente.


Nestas horas me imagino caminhando no deserto, junto com os três Reis Magos, e digo para eles: " Podem levar os presentes de volta, daqui a dois mil anos vocês serão substituidos pelos amigos secretos e ninguém mais vai lembrar de vocês.  


Acho que os leitores vão pensar que sofro da "Síndrome dos Natais Regressivos", ou que não sou ajustado ao calendário social. ito, porém, que pode ser um trauma de infância. Comentava-se explicitamente na família que fiz uma enorme confusão entre o Papai Noel e o Velho do Saco (foi o saco comum dos dois que me confundiu) e tive um ataque de pânico. Mas, quem nunca sequer pensou sobre estas considerações extraordinárias sobre a noite de Natal, que atire o primeiro punhado de sarabulho, com bastante farinha, ameixas e rodelas de abacaxi.


Feliz Natal para todos, se possível.

Autor

Paulo Tiaraju é publicitário, diretor de Criação da agência Match Point, cronista e violeiro. Foi o primeiro criativo gaúcho a ganhar o prêmio Publicitário do Ano, concedido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP). É pai de Gabriel Nunes Aquino.

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