FATUM

Por Fernando Puhlmann

"O destino baralha as cartas,
e nós jogamos."
Arthur Schopenhauer 

Ele não sabia se era luz vermelha, os estofados de veludo escuro, surrados e sujos, o ventilador quase parando ou a falta de janelas, mas algo transformava aquela pequena sala em um ambiente claustrofóbico.

A menina que o recebeu, pediu para ele sentar e aguardar, mas ele não conseguia, caminhava nervosamente pela sala, parando de tanto em tanto, de forma rápida em frente as fotos e pinturas para olhar as imagens de santos e ciganos que se espalhavam pelas paredes. O que o pastor Dariano diria se soubesse que ele estava ali? Ele, um Senador da República, um home de bem, um pai de família cristão, no centro da sala de uma cartomante. E se ela fosse uma bruxa? Esse sentimento o tomou de repente. Será que haviam câmeras na sala?

O barulho do relógio na parede era ensurdecedor, bem baixinho, mas constante, como se fosse um dedo a apontar no seu rosto, sempre falando a mesma coisa. Os últimos meses não tinham sido fáceis para ele, a chantagem é a pior das torturas, o chantagista nunca está satisfeito, e isso ele vinha sentindo na pele, aliás, mais que na pele, na alma. Noites e noites insones, o medo, a vergonha de ser descoberto, o pânico do que os colegas de plenário iriam falar, os risos na igreja, a decepção nos olhos dos filhos, ele não iria ar.

Mas será que ela poderia ajudar mesmo?

- Vá visita-la Orlando, ela acerta tudo e vai te ajudar a sair desse desespero, embora tu não queiras me dizer o que é. - Essa frase do colega de bancada ficara na cabeça ele o tempo todo, até que ele resolveu vir.

Atravessara o país atrás de uma vidente, cigana, bruxa, ou seja lá o nome que queiram dar. O que um homem desesperado não faz pela sua honra.

- Boa tarde Senador, seja bem-vindo. - O som surgiu as suas costas e ele levou um susto.
Ela era bonita, mais jovem do que ele imaginava, morena, olhos grandes, boca fina.
- Boa tarde. Estava aproveitando a paisagem. Respondeu mostrando, com a mão, as paredes com fotos, em um misto de sacarmos e nervosismo.
Ela não respondeu, sentou e apontou a cadeira para ele sentar. Foi começar a falar e ela o interrompeu com um gesto, pegou um baralho enrolado em um pano azul, desenrolou e colocou na frente dele.
- Corte em 3 e coloque lado a lado. - Disse olhando nos seus olhos
Ele obedeceu, estava meio apavorado e encantado com a beleza dela. Ela virou as cartas, e distribuiu pela mesa. Silêncio. Só o maldito relógio fazia coro ao ventilador, quase parado, na sala. Ela misturou as cartas e pediu para ele repetir a operação mais uma vez, ele mais uma vez obedeceu. Ao dispor as cartas na mesa a expressão dela já não era tão calma. O silêncio se tornou quase uma terceira pessoa no ambiente. Mais uma vez ela pediu para ele repetir e agora seu olhar beirava o pânico.
- O que você está vendo? - Perguntou ele com a voz assustada
-Nada, as cartas não querem me dizer nada a seu respeito. - O tom era pesado e inseguro ao mesmo tempo.
- Como assim? Como elas podem não dizer nada? - Ele riu de nervoso
- Não dizendo. Aliás, acho que o problema sou eu, não ando muito bem. Não vou poder lhe ajudar, a consulta não será cobrada. - Disse isso juntando as cartas e levantando-se.
- Mas que falta de respeito, eu atravessei o país para chegar aqui.
- O senhor me desculpe Senador, não posso ajuda-lo

Ela foi até a porta e abriu para ele sair, ele demorou segundos para se dar conta, mas percebeu então. Ela tinha visto sim, ela tinha visto que nada poderia o salvar da vergonha pública, do escárnio, da chacota. Ele, um homem de Deus, um cidadão de bem, tinha se deixado levar pelas loucuras da carne. O menino era bonito, mas como ele foi permitir que o fotografasse, agora Deus estava cobrando a conta dele.

Ele caminhou até a porta de cabeça baixa, porem lá no íntimo uma ideia começou a surgir, uma pequena faísca que ao atravessar a porta já tinha virado uma fogueira.
Existia saída, mas não sem mortos. Ele voltaria para Brasília e acharia um pistoleiro, não era difícil arrumar algum policial que quisesse fazer um extra. Ele entrou no carro desenhando a cena, a dramática cena da morte do chantagista bonito.

Ao arrancar o carro ele não viu o caminhão.

Autor
Sócio-cofundador da Cuentos y Circo, Puhlmann é um dos principais especialistas em YouTube do país, com um olhar focado em possibilidades de faturamento na plataforma e uma larga experiência em relacionamento com grandes marcas do mercado de entretenimento. Além de diretor de Novos Negócios da CyC, tem também no seu currículo vários canais no país, entre eles o do escritor Augusto Cury, do Gov Eduardo Leite, Natália Beauty e do Grêmio FBPA, sempre atuando como responsável pela estratégia de crescimento orgânico dos canais. Já realizou palestras sobre a nova Comunicação juntamente com diretores do YouTube Brasil como a abertura do 28º SET Universitário da Famecos-PUCRS, o YouPIX/SP e o Workshop YouTube Gaming Porto Alegre. Desde 2013, Puhlmann ministra cursos, seminários e oficinas sobre YouTube, tendo mentorado mais de 30 canais nos últimos anos.

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