Fatias de memória & coisas

O que preciso, Invento.  O que nãoDeixo para os outros.(M.A.) Quando preciso, escrevo.Quando preciso inventar, invento.Invento pouco, pois a vida não se cansa de …



O que preciso,
Invento. 
O que não
Deixo para os outros.
(M.A.)


Quando preciso, escrevo.
Quando preciso inventar, invento.
Invento pouco, pois a vida não se cansa de inventar por mim.


Entrei cedo, inda estremunhado de sono num bistrot de Paris e supus haver comandado pão com manteiga.
Quando vi que a madame ia abrir uma garrafinha de cerveja (bière), acordei de vez e então pedi um pão com manteiga (beurre).


Quando a família mudou-se de Campinas para São Paulo, eu inda não completara seis anos. Entre as novidades mostradas pelo meu pai, além dos bondes (aberto e o "camarão" fechado), a grande atração foi o Automático, no comecinho da Avenida São João, um bar onde, em quadrados de mais ou menos 10 cm, a gente via, através dos vidrinhos, doces e salgados. Escolhia-se o desejado, colocava-se a moeda (ainda era o "réis), e o vidro abria-se dando o à guloseima.


Cinquenta anos depois, na estação central do metrô de Viena, conheci uma versão atualizada daquele Automático. Numa imensa vitrine com salgados, doces, bebidas e refrigerantes, coloca-se o dinheiro num único receptor e, apertando um botão do código do item desejado, você vê dois braços levando sua escolha para a saída comum e você recebe o troco, quando há.


Espantei-me muito menos que com o Automático antigo, pois uns dez anos antes, já achara incrível colocar meu cartão do Citibank Rio numa caixa eletrônica de Paris e receber os francos desejados.  


Para ir de onde a gente morava ao Automático, pouco mais que 1 km, inda se atravessava o velho Viaduto do Chá. Alguém da minha família tem uma foto, tirada por meu pai da janela do seu consultório dentário, em 1938, onde se via, ao lado daquele viaduto de ferro, a construção do atual.  


Implicância de velho gruda na alma. Quando oficializaram o uso da vírgula antes do etc. espumei de ódio, achei que nasci no idioma errado etc. Se a expressão latina "etc." é a simplificação de "et cetera - e coisas", aumentaram a simplificação com uma virgula e estupraram a redação correta. Exemplo:
"Doei roupas, alimentos, etc.", ou seja, "doei roupas, alimentos, e coisas. 


Não dói n"alma?
 
Meu amigo Gustavo Borja Lopes foi citado aqui como Borges. Fui obrigado a explicar para ele que, nessa minha idade, tudo é hipotético.


Tenho certeza que quando um velho afirma que tem certeza de algo é mais certo a gente não ter certeza da certeza dele.  


Oh! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!


Lembram-se desse soneto do Casimiro de Abreu? A tuberculose levou-o com 21 anos, três a menos do outro poeta precoce, Castro Alves.


Se for para ter inveja de alguma faixa etária, sejamos inteligentes, poeta ou não:


O pior da velhice é você se lembrar que já teve 30 anos.


Quando os anos 70 do século ado despediam-se daquela década, eu fazia parte da equipe que implantava o Telecurso nas TVs educativas  brasileiras, nas emissoras da Rede Globo e nas suas afiliadas. 
Estava eu no elevador do Luxor Hotel, Natal/RN, quando entra o Jaguar, me examina com seus óculos de garrafa e pergunta:


- Eu bebi muito ontem à noite, mas você é o Mario de Almeida, não é?


Nesse dia, Calazans Fernandes, companheiro da Fundação Roberto Marinho e ex-secretário de Educação do Rio Grande do Norte, me levou para conhecer a famosa carne de sol do Lyra. Guiou-me a fortuna ao restaurante onde estavam o maior folclorista brasileiro - o potiguar Câmara Cascudo, cuja imensa obra eu conhecia em parte - e o primeiro grande sociólogo a desvendar o Brasil para os brasileiros - o pernambucano Gilberto Freyre, que insistiram para que me sentasse entre os dois. Ao aceitar, impus minha condição:


- É uma honra, mas só sento com a autorização de colocar isso no meu currículo.  


Para as comemorações dos 50 anos da Confederação Nacional do Comércio, em 1995, convidado com outros escritores para apresentar um projeto sobre a história do comércio, meses depois fui convocado para uma conversa com o secretário-geral da instituição, Sylvio Piza Pedroza, o qual afirmou que o meu projeto, apesar de ser o mais caro, fora o escolhido. Comecei então a trabalhar no livro História do Comércio no Brasil - Iluminando a Memória, prazer inesquecível, pois aprendi muito. Além de ser um livro de luxo, muito ilustrado e enriquecido por charges de Borjalo, ficou lindo.


Nas diversas reuniões com Sylvio Pedroza, fiquei sabendo ser ele o responsável por algumas edições de livros de Câmara Cascudo, seu conterrâneo. Num dia em que me interessei pelas origens das vaquejadas nordestinas, consultei-o sobre possuir o livro e, caso sim, se poderia me emprestar.


Dias depois recebi o exemplar de A vaquejada nordestina e sua origem, com a seguinte dedicatória do Câmara Cascudo: "Para Sylvio Pedroza, meu aluno de História, Deputado, Prefeito de Natal, Governador do Estado do Rio Grande do Norte, Mestre de Vaquejadas". Pode?  


Calazans Fernandes, divertido companheiro de viagem, inventara uma brincadeira. Toda vez que a gente desembarcava num aeroporto, ele perguntava ao carregador pelo "Gaguinho". Nenhum deles dizia que não conhecia, e houve respostas como "não vi ele hoje", "tá por aí" e coisas. Quando chegamos a Natal, estado do companheiro que nasceu em Mossoró, ele mandou o bordão para o nosso carregador:


- Cadê o Gaguinho?


- O Ga ga gui nho sou e eu!


Inté.

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Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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