Fatias de memória

Como  minha última crônica foi sobre Manoel de Barros, o amigo Gustavo Borges Lopes mandou-me esta “pérola” do poeta: “A elegância e a cor branca devem muito às garças&#

Como  minha última crônica foi sobre Manoel de Barros, o amigo Gustavo Borges Lopes mandou-me esta "pérola" do poeta: "A elegância e a cor branca devem muito às garças".


Num bom período, em torno de 1970, grave crise no Rio e em São Paulo exigiu cortes programados de energia, quase sempre por duas horas em cada faixa horária. Na parte de Copacabana onde eu morava, era das 18 às 20 horas. Os principais cinemas de ambas as cidades exibiam uma placa bem legível na calçada:


"Não sofremos interrupção, temos gerador próprio".


Agora é o meu caso. Não sofro mais interrupção, e mesmo sem ações na Bolsa, ei a ser um miniconcorrente da Light, pois, no último dia 23, me colocaram um marcao.


Há poucos anos, ao entrar no consultório de um urologista que não me conhecia, ele perguntou de cara:


- O que o jovem deseja?


- A mesma ereção de quando jovem.


Eu estava montando, em 1968, a filial da Standard Propaganda na Bahia, e a filial de São Paulo mandou-me um telex pedindo que entrasse em contato com Jorge Amado e negociasse um texto dele para um calendário que a Rhodia estava preparando para 1969, com um escritor ou poeta assinando a página de cada mês. Fechada a negociação, dias depois fui buscar o trabalho e entregar o cheque. No táxi de volta do Rio Vermelho, li um texto que não fazia jus ao brilhantismo do autor. Publicitário e não crítico literário, coloquei a encomenda no malote para São Paulo. Dias depois, recebo um telex pedindo que eu voltasse ao Jorge e solicitasse o uso de um texto já selecionado da obra dele. Telefonei para marcar uma ida à sua casa e expliquei o motivo.


- Mario, não percamos tempo. Está autorizado. Já não recebi o cheque?


Levei Chico Buarque comigo para cantar três músicas num coquetel na Bahia, em 1968, lançamento de uma linha de ônibus da Viação Itapemirim, Salvador-Rio-Salvador. No avião de volta, começaram a pedir autógrafo para o Chico. De repente, ele me cochichou que perguntaram se eu era o Carlos Imperial, apresentador de um programa na TV Rio. O safado confirmou e eu dei uns 20 autógrafos.


Eu trabalhava para uma grande construtora civil de Salvador que resolveu ter sua própria imobiliária. Tratando-se de despesa ainda sem receita, pediram-me que fizesse uma campanha de baixíssimo custo. Conversei com o futuro gerente e mais dois corretores que concordaram com a minha ideia.  Então, na página policial, uma pequena foto com um "Procura-se" precedia um pequeno texto anunciando que a nova imobiliária procurava clientes interessados na venda e compra de imóveis. Ganhamos artigo num jornal comentando as extravagâncias cometidas pela propaganda. 


O jornalista Jânio de Freitas e eu, que estava publicitário, fomos convidados por empresários que iriam comprar o Diário de Notícias, do Rio, para começar a trabalhar no jornal com antecedência, para planejar as ações futuras. Meses depois, as negociações não se realizaram, o jornal foi comprado por um jornalista. Esvaziamos nossas gavetas e fomos tratar da vida em outros pagos. Em novas mãos, o jornal circulou um único dia e nunca mais deu notícias. Será que não foi uma armação para rear todo o ivo para um "laranja"?


O pai de meu pai nasceu na cidade de Rio Grande, formou-se dentista em Pelotas e mudou-se para Campinas, onde fundou e foi presidente do Sindicato dos Odontólogos. Intrigava-me o roteiro de fama gay, Pelotas-Campinas, até que uma observação casual de uma irmã de que ele era muito chegado ao sexo feminino abriu-me a cuca, pois nada melhor para um mulherengo lugares onde há muita caça disponível.


Quanto à cidade de Rio Grande, na qualidade de chefe de reportagem da Última Hora gaúcha, não querendo expor nenhum repórter ao perigo, além do fotógrafo que me acompanhou, aproveitando um sábado movimentado no qual outro jornal promovia a eleição de Miss Atlântico Sul, fomos à praia do Cassino, fotografamos a jogatina no cassino local e, na segunda-feira, em grande matéria, tiramos mais uns pães da boca da polícia gaúcha. Só poupei os jogadores, todos com uma tarja preta escondendo parte do rosto.


Um grande empresário da construção, no Rio, era conhecido pelos seus calotes em fornecedores e prestadores de serviço. Cyro de Nero e eu éramos sócios e nos foi pedido um projeto para um grande estande de vendas.  Avisei o Cyro que eu pediria o dobro de um orçamento normal, pois a praxe é receber a metade na autorização. Inda que o Cyro duvidasse, percebi pelos olhos do safado que o projeto estava aprovado.  Ele se espantou com o custo, discutimos por cerca de uma hora e finalmente propus:


- Risco agora esses 36 mil, você paga 15 mil hoje e 15 mil ao término do trabalho.


- Feito!


Saímos de lá com o cheque combinado e quando telefonei para receber os 15 mil finais, ele pagou.


Um conhecido empresário de São Paulo nos chamou para um projeto naquela cidade, pagou os 50% iniciais e dividiu o restante em três promissórias. Quando venceu a segunda, sem ainda o pagamento da primeira, chamei o "Gaúcho", fotógrafo amigo, e ele me ampliou as três notas que, colocadas na parede, atrás de mim na mesa, estavam bem visíveis e de fácil leitura. Mandei uma foto para ele com a pergunta: Quando é que as suas promissórias vão sair da parede do meu escritório?


Quatro dias depois, chegou um emissário dele no Rio e, com um único cheque, resgatou as três. As fotos, dei de brinde.


Setembro de 1958. Eu e companheiros do futuro Teatro de Equipe fomos a Montevidéu a convite da embaixada do Brasil, apresentar Poetas & Poemas como parte das comemorações da nossa Independência. O adido cultural era Vinicius de Moraes que, inclusive, nos levou a sua casa para uma noitada de uísque e violão. Oito anos depois, ele me reconheceu no Antonio"s, mas confessou que esquecera meu nome.


- Mario de Almeida.


- Então você é o Almeidinha!


Só no ano ado descobri onde o poetinha adquirira o diminutivo, uma de suas "marcas registradas". Foi da convivência com Jaime Ovalle, muito bem retratado por Humberto Werneck em O Santo Sujo - A Vida de Jaime Ovalle, edição da Cosac Naify. 


Inté.

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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