Fastio

Alguém me pergunta por que não mais abordo a política ou a moralidade pública deste país. A resposta é simples: fastio. Por mais de …

Alguém me pergunta por que não mais abordo a política ou a moralidade pública deste país. A resposta é simples: fastio.


Por mais de 20 anos, produzi um comentário diário sobre esses temas na abertura do Brasil na Madrugada da Rádio Gaúcha. Nos últimos anos, eram dois os comentários, o outro no meio do Chamada Geral Segunda Edição.


Nunca fiz as contas, mas calculando com modéstia, cinco dias da semana, descontados meses de férias, gripes eventuais e preguiça intransponível, pelo menos 5 mil vezes esganicei a garganta, vergastando a sem-vergonhice institucionalizada.


Em vão. Eu poderia pôr a maior parte desses comentários em um chapéu e de olhos vendados escolher um deles, qualquer que fosse. Para atualizá-lo, bastaria mudar os nomes dos atores, de delinqüentes e suas amantes a vítimas e delatores, de policiais a juízes e de todos os babaquaras, eu incluído, que assistem atônitos e indignados (agora já nem mais tanto) ao mesmo roteiro: muita denúncia, poucos processos, nenhuma punição. 


Devo confessar a minha alienação: já não consigo avaliar qual o "caso" que mais estarrece a Nação - se escândalo envolvendo o presidente do Senado ou o massacre da empregada doméstica no Rio de Janeiro, praticado por mocinhos de famílias bem postas. 


No tempo em que Jader Barbalho presidia o Senado e aqueles rapazes de Brasília, filhos de famílias "de bem", massacraram o índio Galdino, eu ainda tinha pretensões.  Agora, porém, com Jader Barbalho assessorando Renan Calheiros em sua defesa, e o pai de um dos agressores da empregada doméstica, derramando lágrimas sentidas, não pela mulher que não morreu por milagre, mas porque o pobre de seu pimpolho pode sofrer (mas não vai) "a injustiça de uma prisão", ninguém me demove da idéia que contar anedotas do Bocage é menos obsceno.

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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