Falta de assunto?

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"Há algo de podre no Reino da Dinamarca" Hamlet, Shakespeare


Tenho quase certeza que o assunto mais levantado em milhares de crônicas que li, de cronistas que, como eu, baixam no computador o que baixa na cabeça, foi exatamente a falta de assunto.


Só por medo de errar não vou citar nomes de um monte deles. Já o poeta maior, Drummond, quando faltava-lhe assunto, abria o jornal e achava um bom mote. Notícia de jornal, para Drummond, até acabava em poesia, como em "Desaparecimento de Luísa Porto", onde o poeta, inspirado numa notícia, fez versos como se fossem notícia também:


"? Pede-se a quem souber do paradeiro de Luísa Porto avise sua residência à Rua Santos Óleos, 48, Previna urgente solitária mãe enferma entrevada há longos anos erma de seus cuidados?"


Hoje, sábado 14, antes de escrever, li O Globo e o Jornal do Brasil. Neste, no Caderno B, o jornalista e escritor gaúcho Fausto Wolff, uma de minhas primeiras amizades em Porto Alegre nos anos 50, julga a decisão judicial da proibição do livro de Fernando Moraes como um ato de Censura, comparável à imbecilidade que tomou conta do país a partir de 1968 (A-I 5). Aqueles pobres de espírito, se não estivessem sob a tutela de um Estado assassino, certamente teriam ganho o Reino dos Céus. Fausto foi obrigado a abandonar o Brasil e na Itália, depois na Dinamarca, lecionou Literatura Brasileira. Deixou uma filha em Copenhague e certa vez, no Antônio?s, foi ada uma lista para amenizar os custos de uma visita dele à mesma.


Lendo, hoje, o artigo do Fausto, de quem recomendo o livro "À Mão Esquerda", lembrei-me que cronista, na Dinamarca, deve apelar muito para assuntos internacionais, coisa que no Brasil seria um crime antinacionalista.


Severino, presidente da Câmara, terceira autoridade deste país, declarou que se casou meio virgem, matando numa só cajadada o vernáculo e a lógica. Já a primeira autoridade, falastrão, palavroso e boquirroto assumido, em cada improviso, mata de susto seus companheiros e de gargalhadas a galera a qual ele mandou tirar o traseiro do assento.


Leio, ainda, que uma juíza, tocaia da ex-juíza Denise Frossard, que há tempos mandou encanar a cúpula do jogo do bicho fluminense, fulminou a governadora Rosinha e o Garotinho, seu marido, tornando-os inelegíveis até 2007, além de imputar a eles outros crimes e destituir o prefeito da cidade fluminense de Campos.


Os cariocas e seus vizinhos da Baixada Fluminense vivem em território dominado por bandidos e a exceção é maravilhosa: há pouco, policiais militares pediram licença aos bandidos e promoveram, por conta própria, uma chacina de não-bandidos. Ainda no Rio, o Ministério da Saúde fez intervenção nos hospitais municipais para evitar um índice maior de óbitos. Ontem, a esposa do ministro Gilberto Gil e a irmã tiveram seu carro metralhado por dois bandidos e a blindagem do veículo foi a salvação de ambas.


No cenário nacional, o deputado e ex-governador do Pará, Jader Barbalho, é acusado de outras corrupções, mínimas em face das anteriores e, até hoje, pouquíssimas pessoas sabem a procedência daquele dinheiro encontrado no escritório do marido da ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney, que quase acaba Ministra do falastrão.


Ano que vem bicheiros e corruptos vão comemorar o jubileu de ouro do decreto em que o presidente Dutra, cedendo ao apelo da cônjuge, Santinha de apelido, proibiu os jogos de azar, entre eles o jogo do bicho. Se houver regabofe, tentarei ser convidado.


Se "Hamlet" fosse um patrício e personagem de hoje, iria tornar uma frase célebre:


Há algo no Brasil que ainda não apodreceu?


Enquanto, por aí, faltar vergonha na cara, não vai faltar assunto.


Inté.


 Mario de Almeida é jornalista, publicitário, dramaturgo, autor de "Antonio"s, caleidoscópio de um bar" (Ed. Record), "História do Comércio do Brasil - Iluminando a memória" (Confederação Nacional do Comércio), co-autor, com Rafael Guimaraens, de "Trem de Volta - Teatro de Equipe" (Libretos) e um dos autores de "64 Para não esquecer" (Literalis).  [email protected]

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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