Falo com...
Por Marino Boeira

Falo com Nelson Rodrigues (1912/1980) - Jornalista, contista, cronista e dramaturgo,
- Nelson, você é reconhecidamente o maior dramaturgo brasileiro, com peças como Vestido de Noiva, Beijo no Asfalto, Toda a Nudez Será Castigada, Boca de Ouro, Bonitinha Mas Ordinária, que revolucionaram o nosso teatro. Foram 17 peças. Nelson, como você se define?
- "Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico (desde menino).
- Numa época em que todo o mundo se dizia de esquerda, você nadava contra a maré. Como você se definia?
- "Sou um reacionário"
- Você foi um iconoclasta, atacando praticamente todas as instituições, começando pelo casamento. O que você escreveu sobre ele?
- "O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É degradante que um homem deseje a mãe de seus próprios filhos."
- Tem outra ainda?
- "Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata."
- E sobre os brasileiros?
- "No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte".
Meu amigo, o Dr. Franklin Cunha é ginecologista. Que conselho você daria a ele?
- "Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar com batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um São Francisco de Assis, com luva de borracha e um arinho em cada ombro".
- O que você pensa dos jovens?
- "O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da inexperiência"
Você já foi acusado de tudo, menos de racista.
"- Enquanto um sábio negro não puder ser nosso embaixador em Paris, nós seremos o pré-Brasil."
- Você acha que um escritor deve respeitar sempre as regras da gramática?
- "Não reparem que eu misture os tratamentos de tu e você. Não acredito em brasileiro sem erro de concordância."
Duas pessoas muito conhecidas na época, o bispo Dom Helder Câmara e o escritor católico, Amoroso Lima (Trystão de Ataíde) foram algumas das vítimas constantes da sua ironia. O que você disse deles?
- "Dom Helder é o cristão sem sobrenatural. Esqueceu tanto a letra do Hino Nacional como a do Padre-Nosso e da Ave-Maria. É um falsário."
- "Dom Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva"
- "O doutor Alceu é um cego que não quer ver, um homem que desviou sua inteligência para cortejar a juventude."
Uma de suas grandes paixões na vida foi o Fluminense. Quando ele ganhava ou perdia isso não dependia dos jogadores, mas de fantasmas que apareciam no estádio. O Gravatinha presente, era um sinal de sucesso para o Flu, mas o Sobrenatural de Almeida só prejudicava o time. Você acreditava mesmo neles, Nelson?
- "Os idiotas da objetividade não vão além dos fatos concretos. E não percebem que o mistério pertence ao futebol. Não há clássico e não há pelada sem um mínimo de absurdo, sem um mínimo de fantástico".
"Para encerrar, Nelson, vamos lhe pedir que lembre algumas de suas frases mais polêmicas e até hoje repetidas"
- "Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante." "O dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro." "Toda unanimidade é burra." As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado." "A educação sexual só devia ser dada por um veterinário". "Os idiotas vão tomar conta do mundo, não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos."
- E a mais provocadora e certamente a mais infeliz de todas?
"Nem todas as mulheres gostam de apanhar, só as normais"
Ironia final para alguém que sempre cultivou os ditos irônicos: Nelson morreu num domingo aos 68 anos de complicações cardíacas e respiratórias. No fim daquele mesmo dia, ele faria 13 pontos na Loteria Esportiva, num "bolão" com seu irmão Augusto e alguns amigos de O Gobo.