Falo com...
Por Marino Boeira

Falo com Carlos Drummond de Andrade (1902/1987)
- Vou começar perguntando de onde vieste?
- "Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro".
- Quais eram teus projetos de vida?
- "Quando nasci, um anjo torto. Desses que vivem na sombra. Disse: Vai Carlos. Vai ser gauche na vida"
- Como é Carlos Drummond de Andrade?
- "Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo"
- Do que gostas?
-"Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida nisso tudo."
- Como foi teu caminho até chegar ao grande poeta que te tornaste?
- "No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho Tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra"
- Como são teus relacionamentos?
- "Há certo gosto em pensar sozinho. É ato individual, como nascer e morrer."
- E as cidades, Drummond, quais são as grandes?
- "Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades. O mundo não acabou, pois que entre as ruínas, outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora, e o hálito selvagem da liberdade dilata os seus peitos, Stalingrado, seus peitos que estalam e caem, enquanto outros, vingadores, se elevam."
- Vamos falar sobre livros, Drummond
- "Há livros escritos para evitar espaços vazios na estante."
- Mesmo assim, porque é importante ler?
"A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede."
- A liberdade?
- "A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira que, por medo da bagunça, preferimos, normalmente, optar pela arrumação".
- A democracia?
"Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder."
- E a caridade?
- "A caridade seria perfeita se não causasse satisfação em quem a pratica"
- A loucura?
- "A loucura é diagnosticada pelos sãos, que não se submetem a diagnóstico. Há um limite em que a razão deixa de ser razão, e a loucura ainda é razoável. Somos lúcidos na medida em que perdemos a riqueza da imaginação.
- O que é essencial?
- "Essencial é viver"
- E o Brasil?
- "Precisamos descobrir o Brasil Escondido atrás das florestas,
com água dos rios no meio. O Brasil está dormindo, coitado.
- Para encerrar, posso lhe pedir um autógrafo?
- "Pedir autógrafo a autor lisonjeia sua vaidade, sem melhorar a qualidade da obra".
