Falo com...

Por Marino Boeira

Falo com Lupicínio Rodrigues, compositor e cantor (1914-1974)

Vamos fazer uma entrevista diferente com você, Lupi: damos um tema e você responde com versos de suas músicas, ou eles são apenas palavras frias?

"Como é que existe alguém / Que ainda tem coragem de dizer / Que os meus versos não contém mensagem / São palavras frias, sem nenhum valor"

O que é preciso ter para ar a dor de perder o amor de uma mulher e depois encontrá-la com outro?

"Você sabe o que é ter um amor, meu senhor / E por ele quase morrer / E depois encontrá-lo em um braço / Que nem um pedaço do meu pode ser? / Há pessoas de nervos de aço / Sem sangue nas veias e sem coração / Mas não sei se ando o que eu o / Talvez não lhes venha qualquer reação"

E quando você é traído, deve pedir vingança?

"Eu gostei tanto / Tanto quando me contaram / Que a encontraram / Bebendo e chorando / Na mesa de um bar

E que quando os amigos do peito / Por mim perguntaram

Um soluço cortou sua voz / Não lhe deixou falar / Mas eu gostei tanto / Tanto, quando me contaram / Que tive mesmo de fazer esforço / Para ninguém notar / Mas, enquanto houver força no meu peito / Eu não quero mais nada / E pra todos os santos

Vingança, vingança clamar / Ela há de rolar qual as pedras

Que rolam na estrada / Sem ter nunca um cantinho de seu /

Para poder descansar

O que acontece com a mulher que trai por amor?

"Ela disse-me assim / Tenha pena de mim. Vá embora / Vais me prejudicar / Ele pode chegar / Tá na hora / E eu não tinha motivo nenhum / Para me recusar / Mas, aos beijos, caí em seus braços

E pedi para ficar / Sabe o que se ou? / Ele nos encontrou. E agora? / Ela sofre somente por que / Foi fazer o que eu quis

E o remorso está me torturando / Por ter feito a loucura que fiz

Por um simples prazer / Fui fazer meu amor infeliz."

E quando conquista a mulher que foi de um amigo, qual o recado que você vai dar para ele?

"Se acaso você chegasse / No meu chateau encontrasse

Aquela mulher que você gostou / Será que tinha coragem de trocar a nossa amizade / Por ela que já lhe abandonou / Eu falo porque essa dona já mora no meu barraco à beira de um regato e de um bosque em flor / De dia me lava a roupa / De noite me beija a boca / E assim vamos vivendo de amor"

E o que pensar daquela mulher que já foi tão linda, mas que o tempo só castigou?

"Vocês estão vendo aquela mulher de cabelos brancos /   Vestindo farrapos calçando tamancos / Pedindo nas portas pedaços de pão?  / A conheci quando moça era um anjo de formosa / Seu nome é Maria Rosa, seu sobrenome: Paixão

Os trapos de sua veste não é só necessidade / Cada um para ela representa uma saudade. / Ou de um vestido de baile, ou de um presente, talvez / Que algum dos seus apaixonados lhe fez / Quis certo dia Maria por a fantasia de tempos ados / Pôr em sua galeria uns novos apaixonados / Esta mulher que outrora a tanta gente encantou / Nenhum olhar teve agora, nenhum sorriso encontrou."

E a felicidade, Lupi, como fica?

"Felicidade foi-se embora / E a saudade no meu peito ainda mora. / E é por isso que eu gosto lá de fora / Porque eu sei que a falsidade não vigora

Se você tivesse que dar um conselho aos jovens, o que lhes diria?

"Esses moços, pobres moços / Ah! Se soubessem o que eu sei

Não amavam, não avam / Aquilo que já ei / Por meu olhos, por meus sonhos / Por meu sangue, tudo enfim / É que peço / A esses moços / Que acreditem em mim / Se eles julgam que há um lindo futuro / Só o amor nesta vida conduz / Saibam que deixam o céu por ser escuro / E vão ao inferno à procura de luz / Eu também tive nos meus belos dias / Essa mania e muito me custou / Pois só as mágoas que trago hoje em dia / E estas rugas o amor me deixou"

E, finalmente, Lupi, quando se encontra um amigo, que convite deve ser feito?

-" Amigo, boleia a perna / Puxe o banco e vá sentando

Descansa a palha na orelha / E o crioulo vai picando / Enquanto a chaleira chia / O amargo vou cevando / Enquanto a chaleira chia

O amargo vou cevando / Foi bom você ter chegado / Eu tinha que lhe falar / Um gaúcho apaixonado / Precisa desabafar / Chinoca fugiu de casa / Com meu amigo João / Bem diz que mulher tem asa na ponta do coração."

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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