Façanhas e modelos

Ao contrário do Mário de Almeida,  que tem lindas e fundas memórias de São Paulo, eu poucas amealhei em minhas várias idas até aquela …

Ao contrário do Mário de Almeida,  que tem lindas e fundas memórias de São Paulo, eu poucas amealhei em minhas várias idas até aquela plantação gigante de edifícios com um ex-rio poluído no meio. Aliás, a mais significativa que me ficou diz respeito ao show Falso Brilhante,  que Elis apresentou, em 1976, acho que no Teatro Bandeirantes. Inesquecível.


Desta vez, tinha planos de ir ao Museu da Língua Portuguesa e na Bienal, mas cadê tempo?  Terminei dando uma volta pelo Sesc Pompéia, que me parece agora mais importante pelo edifício do que pelas atrações, e pelo Memorial da América Latina, com aquela beleza gelada das coisas do ex-comunista e hoje capitalista de carteirinha Oscar Niemeyer. Me senti mareada, sem graça, oprimida até, em meio às construções tecnicamente perfeitas, a cabeça de Simon Bolívar com a boca entreaberta esperando, quiçá, uma beijoca de Hugo Chávez, e aquela mão vermelha brotando do chão como num filme de Stephen King, símbolo já tão extemporâneo e sem a ver com a esquecida militância do centenário e milionário arquiteto, como bem lembrou meu amigo mestre em Jornalismo Sean Hagen , que anda por lá muito mais que eu.


No entanto, São Paulo é São Paulo e a capital que eu explorei, nestes poucos dias, ainda é cheia de casas e das lá chamadas "vilas", aquelas ruas transversais às avenidas, fechadas por um portão de ferro que busca proteger suas várias residências enfileiradas, coladas umas às outras, sem luxo, mas com solidez e conforto, na chamada Zona Oeste da capital. Um certo ar de cidade do interior ainda habita por ali, em meio a muros cobertos de hera, jardins pequenos, e aquelas garagens típicas construídas em frente à residência, com grade até o teto. Não pude deixar de fazer uma comparação entre este casario e as mansões dos Jardins, por onde ei para ir ao Via Funchal, onde assisti, como convidada, à entrega do Marketing Best. Se é inegável o charme do luxo dos casarões que, segundo o motorista de táxi que me levou (e eles sabem tudo), estão perdendo os moradores famosos por razões óbvias, como medo e falta de privacidade, para mim eles nada acrescentam a não ser um ar de imitação da zona "rica" de Miami.


O toque engraçado desta pequena viagem ficou por conta do acento que o grupo Zaffari teve de acrescentar na primeira sílaba da sua grife, pois o paulistano insistia em chamar o supermercado instalado no megaprédio de Zaffári, talvez associando a palavra com safári, vai saber. A decepção ficou pela quase inexistência de Banrisul por lá. O da Avenida Paulista, domingo à tardinha, estava às escuras, sem o aos caixas automáticos. E, pior, dentro do imponente Bourbon, cheio de grifes como o delicioso Starbucks, há um espaço vazio com anúncio de que ali haverá Banrisul. Mas faz tempo que o complexo gaúcho ali se instalou e nem um caixa do banco se deram ao trabalho colocar para conforto dos gaúchos que orgulhosamente vão visitar o local. Como os caixas 24 horas ignoram o Banrisul, quem confia no seu cartão Banricompras, como eu, se ferra direto.


No mais, Sampa continua sendo a terra da oportunidade para quem quer trabalhar e tem talento. Com a vantagem da ausência da mesquinharia que caracteriza boa parte dos gaúchos nas relações profissionais.


Conversei com um publicitário, nascido no interior rio-grandense, e que integrava um grupo em que se misturavam chegados de várias partes do Brasil, e nosso sotaque foi o destaque das observações: ele é inconfundível, para o bem e para o mal. Terminaram concordando comigo, quando afirmei que estes pagos, há séculos, produzem gente muito, muito dura, que quer ser amável e até tem fama de hospitaleira mas que tem, no ado, uma triste e vergonhosa história de degola, de brutalidade, de falta de misericórdia e de amor. Oxalá as novas gerações, que não resolverem se refugiar em lugares menos hostis, consigam mudar esse memorial doloroso.


E ainda cantamos: "sirvam, nossas façanhas, de modelo a toda terra". Credo!

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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