Exploração de cadáveres

Numa sociedade em que as artes plásticas já conseguiram vender até cocô enlatado (anos 70), essa exposição de cadáveres num shopping da zona sul …





















































Numa sociedade em que as artes plásticas já conseguiram vender até cocô enlatado (anos 70), essa exposição de cadáveres num shopping da zona sul é um assombro previsível. Faz pensar, mesmo sem se ir ver. (Eu não fui -cobram os olhos da cara e sem eles não daria pra conferir a coisa.) 



Pelo afluxo de público, algum sucesso faz, nem que seja medido pela bilheteria. O que dá pra intuir sobre a atração é o seguinte: o maior obstáculo deste tipo de apelação - a repulsa - foi removido junto com o sangue e outros fluidos, substituídos por polímeros. Mais ou menos como um botox post-mortem. 



Para afastar a barreira dos preconceitos, tiveram o cuidado de remover a pele, que tem o agravante de fixar a identidade de alguém. Embora os corpos sejam de chineses (com alguma suspeição acerca da origem exata), a prova tá lá no anonimato dos músculos: debaixo da pele, somos todos iguais.  



Como a tecnologia deixa todo o material fashion, digamos, é ável olhar. Um impacto agradável, desde as figuras em poses normais até os órgãos expostos, sadios ou derrotados por males. Dizem que dá pra ear por entre as peças sem repugnância, o que torna a morbidez tão lucrativa como qualquer outro negócio. 



Além do márquetim didático, os motivos de quem paga pra ver, variam. No fundo, quem vai lá atende ao mesmo impulso científico que trouxe a humanidade pro estágio em que está, a primitiva curiosidade. Também há a fantasia de conhecer-se por dentro, in natura, sem o inconveniente de servir de cobaia pra tão asquerosa experiência.



Mas enquanto para os cientistas não há nada mais natural que dissecar a maravilhosa máquina de viver, para os frequentadores de shopping talvez seja uma audácia mental, dada a carnificina urbana exposta nos telejornais. Mas entre uma compra e outra, com assepsia garantida pela técnica e o endosso de evento cultural patrocinado, fica até confortável para o espírito classe média.  



Pois essa exposição se situa, ao mesmo tempo, distante e próxima do Instituto Médico Legal. Afinal, tudo que está sendo exibido é do mesmo gênero que as mesas do IML investigam. A diferença é que, lá, são reveladas e estudadas as dramáticas causas mortis e, cá, elas chegam pasteurizadas à mente do público. Na morgue, a realidade nua, fria e dolorosa; no shopping, um show comercial. 



Não sou contra, sou exigente: lembro que é possível elaborar arte com o mesmo material humano. É o que faz o brilhante e controvertido anatomista alemão Gunther von Hagens, que usa o método da plastinação. Diferente desta no shopping, a exposição Body Worlds arrebata o espectador. Porque o artista cria cenas de efeito, com ações que impressionam pela estética. Inquieto ao lidar com cadáveres, ele evita o banal e acrescenta relevância filosófica, daí alguma transcendência. Dela, antevejo, não se sai da mesma maneira que se entra.



Embora polêmica, a turnê de Body Worlds é irada mundo afora. A meu ver, Gunther Hagens aproxima a morte da vida, e não o inverso. E é isso que me faria comprar um ingresso. 











? Clodovil era irável e respeitável por ser quem era, fosse num atelier, diante das câmeras ou na Câmara. Levar a vida sem concessões em meio à opinião pública não sai barato e Clodovil custeou sua autenticidade com bom humor. Seus talentos iam do visual ao verbal. A consagradora eleição, com quase 500 mil votos, foi uma homenagem das urnas paulistas, e também um veemente recado do eleitorado à desmoralizada classe política brasileira. Inteligente e ferino, era um prazer prestar atenção nos seus comentários.



Sem ele, o Brasil perde um bocado de irreverência - uma das maneiras mais sãs de conviver com a realidade.





O zíper é uma invenção original.
Ainda não criaram jeito mais funcional
de prender a pele do pênis.



A cadeira de balanço, apesar do nome,
é imprópria para o uso enquanto alguém
faz cálculos sobre receita e despesa.



A a de pressão cozinha tudo
sob duas atmosferas. Já cozinheiras
mal-pagas cozinham sob pressão maior.



As novas válvulas hidráulicas tornaram
os vasos sanitários ecologicamente corretos.
Permitem descarga de consciência.



A esferográfica substituiu tão bem
a caneta-tinteiro que ninguém mais
sente falta das machas de tinta.



A motoserra, como ferramenta,
é útil até certo ponto.
Até a primeira árvore abatida.



As próteses mecânicas estão tão
aperfeiçoadas que há pessoas capazes
de dar um braço ou uma perna por elas.



Etc


Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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