Ex-jornalismo
Caiu a exigência do diploma para jornalista. Foi considerado inconstitucional. Em tempos de democracia, vale a regra da não-exceção. E danem-se as conquistas da …
Caiu a exigência do diploma para jornalista. Foi considerado inconstitucional. Em tempos de democracia, vale a regra da não-exceção. E danem-se as conquistas da categoria. Registros profissionais continuarão a ser feitos, dissídios defendidos, pisos salariais debatidos, porém o mercado deixa de se alimentar de especialistas e abre um leque imensurável de contratação de mão-de-obra. Será a maior categoria do Brasil. Qualquer um pode pedir o registro. Triste profissão.
Para quem está desiludido com a classe, detesta ler apenas pílulas nos jornais on-line, prefere não seguir frases e pensamentos, opta em não saber o que as pessoas estão fazendo naquele momento, e nem quer conhecer as fofocas inúteis, por favor, vá ao cinema, ver Intrigas de Estado.
O filme provavelmente foi patrocinado pela indústria do papel ou por uma empresa que investe pesado em jornalismo impresso. Porque critica a imprensa fácil, rápida, digital, rasteira, mesmo que vendedora mas sem escrúpulos, feita de ouvir-falar ou de informações vazias.
A redação do ficcionado The Globe News está repleta de papéis, quase não se enxergam as escrivaninhas tal a quantidade de impressos, revistas, jornais, livros, recortes selecionados e colados nas paredes. Nada a ver com as salas higienizadas onde funcionam jornais muitas vezes considerados os melhores de sua região. A televisão e a internet são utilizadas para notícias de plantão, relâmpagos que surgem, clareiam e desaparecem, apenas para dar a deixa para que o jornalista gordo e desleixado, e pleno de charme, possa cumprir o seu papel de aporrinhador do sistema corrupto. Conhecemos muitos jornalistas que poderiam estar no lugar dele, e outros que desejariam desesperadamente estar no lugar dele.
No contraponto, inicialmente usando um tailler e um colarzinho de pérolas, está a jornalista do jornal on-line da mesma coorporação. Segundo Russel Crowe, que faz o papel do jornalista, seu personagem trabalha naquele jornal há quinze anos em um equipamento de 16 anos, enquanto a menina blogueira trabalha lá há quinze minutos e já ocupa um equipamento capaz de enviar as notícias via-satélite. É uma queixa do pobre coitado ao espaço e a importância que vem ocupando o setor digital nas redações. No entanto, é claro que ele vai ensinar muitos truques à mocinha que, ambiciosa em ser repórter à moda antiga, irá acompanhá-lo com iração, nem sempre entendendo o que se a. E, só para registrar, no final do filme ela ja está se vestindo como um bicho-grilo.
A intriga, a essas alturas, é muito bem escrita e pensada, mas é a que menos importa. Pelo menos, para Fu Lana, nossa heroína que sempre curtiu esse lance meio junk de ser jornalista: um padrão relaxado, descuidado com a aparência, curioso desde pequenininho e despreocupado com a forma de poço que vem adquirindo com o ar do tempo. O relacionamento do repórter com a polícia, de uma forma cúmplice e sem nenhum respeito à hierarquia, é padrão, mas tudo de bom, para nossa heroína saudosista.
A crítica ao exército, aposentado e mercenário, e ao aproveitamento decrépito da guerra como forma de enriquecimento ilícito são questões igualmente tratadas no filme. E de forma muito satisfatória.
Infelizmente, o tal jornal da história está para ser vendido. E a nova direção já avisou: está pouco se lixando para o que pensem ou deixem de pensar seus melhores repórteres. Precisa publicar as notícias instantaneamente, sem essa bobagem de perguntar muito e investigar demais, porque, na voz da supereditora e poderosa executiva da redação do The Globe, "a gente publica num dia, desmente no outro, esquenta no terceiro e assim vende mais jornais. Depois, o povo esquece, e começa tudo de novo". No papel está a convincente rainha, a atriz Hellen Mirren.
A trilha faz parte da pulsação contemporânea e o que se prevê para o futuro, ainda que quase derrotada, é a esperança. A confiança de que sempre vai haver alguém preocupado com a civilização. Com a informação, acima de tudo. Heróico, é um tipo de filme para ser visto por quem ainda acredita em um fiozinho de jornalismo. Porém, a vida tem suas idiossincrasias. Lacônica é a situação dos jornalistas com a recente queda do diploma no Brasil. Fu Lana vai pedir indenização por ter investido, obrigatoriamente, em uma formação que foi destituída de sentido, cuja profissão está sem rumo e desmoralizada em nosso país.