Evocações

Eu estava trabalhando, em 1991, no livro "Antonio"s, caleidoscópio de um bar" e queria utilizar uma crônica do Paulo Mendes Campos onde ele, na …

Eu estava trabalhando, em 1991, no livro "Antonio"s, caleidoscópio de um bar" e queria utilizar uma crônica do Paulo Mendes Campos onde ele, na forma de um diálogo imaginário, dava uma geral sobre os bares, barmen, maitres

e garçons do Rio de sua época. Paulo, assíduo em bares, era especializado no assunto, tratando-se da cidade na qual optara viver. A crônica do livro "Os Bares Fecham às Quartas-Feiras", além do talento do poeta e escritor, era absolutamente pertinente ao trabalho que me ocupava e eu já decidira que, se autorizado, ela fecharia o livro.


Era um sábado à tarde e eu vasculhava material publicado pela imprensa, no mesmo edifício do Antonio"s, no apartamento de seu dono, o galego e cidadão carioca honorário, Manolo, quando o mesmo veio avisar-me que o Paulo estava no bar. Desci, pedi a autorização e recebi uma resposta amável:


- Claro que sim, Mario.


- Claro que sim é ótimo, mas você é a única pessoa que podia me dizer isso. Obrigado.


Começamos um papo e resolvi provocar a proverbial agressividade do poeta, quando irritado ou bravo:


- Tem um detalhe, Paulo, num outro livro descobri um plágio seu.


Silêncio sepulcral. Conhecendo os antecedentes nada pacíficos do plagiador, acrescidos do fato que um copo pode transformar-se em arma, esclareci:


- No livro tal (feito sob encomenda para uma empresa) você recauchutou uma crônica sua, já publicada, sobre Copacabana, Ipanema  e Leblon.


Depois dessa "pegadinha", gratificado com a autorização, deixei o poeta, já risonho e descontraído, tomando o seu santo uísque daquele sábado.


A crônica, de fato, fechou o livro, com um único acréscimo, mas imperdível, a definição do Bôni, da Rede Globo, sobre o bar do Leblon, hoje apenas memória:


"O Antonio"s é um filme mal montado


sempre exibido fora de foco


mas do cacete.


É o Cinema Paradiso dos Bares."


Claro que identifiquei a oportunidade e, no pé da página, emendei de primeira:


THE END.


Esse punhado de evocações ocorreu-me quando li, pela Internet, uma excelente "criação" de Yudith Rosenbaum, que não conheço, mas gostaria.


A psicanalista e mestra em Literatura, escritora que exerce o magistério e fez incursões pela Imprensa, que confessa haver nascido em Sampa, imaginou um encontro de intelectuais em torno de uma mesa do Restaurante Reis, uma opção quase cotidiana de Manuel Bandeira e que ficava no edifício Avenida Central, que também não existe mais.


A escolha feita por Yudith do Restaurante Reis e dos participantes não foi arbitrária, pois lá, em 1936, o poeta havia recebido de corpo presente, pelos seus 50 anos, os abraços de Dante Milano, Gilberto Freyre, Jorge de Lima, Mario de Andrade, Murilo Mendes, Paulo Dantas, Pedro Nava e Ribeiro Couto.


Paulo Mendes Campos, mestre no assunto bares, também sabia muito sobre Literatura e, com  Fernando Sabino, cobrou de Manuel Bandeira as suas memórias. Nesse trabalho Yudith mostra que sabe tudo sobre as relações dessa turma e nos brinda com preciosas revelações ditas pelos seus personagens, mas retiradas do real. "Murilo Mendes fala em "transe inconsciente", "poemas feitos em sonhos"? É o caso do poema "Vou-me embora pra Pasárgada", diz Mendes, o de mais longa gestação. Aos dezesseis anos, o jovem Bandeira viu o nome "pasárgada", campo dos persas, num autor grego e imaginou um jardim das delícias. Vinte anos depois,  na Rua do Curvelo, desanimado pelos impedimentos da doença,  saltou-lhe o grito:  "Vou-me embora pra Pasárgada!". Conta o poeta: "Senti na redondilha  a primeira célula do poema". Tenta escrever, mas fracassa. Anos depois, o mesmo desabafo de evasão da "vida besta". Desta vez, o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim."


O pedido de Paulo e Sabino a Bandeira transformou-se em livro editado pela Nova Fronteira, em 1954: Itinerário de Pasárgada.


Quem quiser, como eu, degustar as páginas de Yudith, basta ir ao Google e ar pelo nome da autora.


Voltando ao início,  transcrevo o final da crônica do Paulo:


"Sabe o que me dói? Não ter apanhado a Colombo no tempo do Bilac e aqueles outros calhordas.


- Engraçado!? Eu também."


No pé da página, acrescentei:


"Aos que não conheceram o Antonio"s de Sérgio Porto, Irineu Garcia, Roniquito, Carlinhos (José Carlos Oliveira), Flávio Rangel, Regina Rosemburgo, Di Cavalcanti, Rubem Braga, Vinicius, Marcos Vasconcellos, Tarso (de Castro) e muitos, outros resta o consolo de que o mineiro de cabelo caído na testa (Paulo Mendes Campos) e eu também não apanhamos "a Colombo no tempo do Bilac e aqueles outros calhordas."


Acrescento, hoje, que dói, também, não estar no Restaurante Reis, na homenagem de 1936 e sempre.


Inté

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Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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