Eu, sem graça

Uruguaiana é terra natal de alguns artistas de talento reconhecido no Rio Grande do Sul e fora daqui. Nasceram lá, por exemplo, o poeta Luiz …

Uruguaiana é terra natal de alguns artistas de talento reconhecido no Rio Grande do Sul e fora daqui. Nasceram lá, por exemplo, o poeta Luiz de Miranda (que está com novo livro na praça), o escritor Tabajara Ruas e o cantor João de Almeida Neto. É também a terra da Califórnia da Canção Nativa, festival criado no início da década de 70 e que desempenhou papel decisivo para a popularização do tradicionalismo e a expansão, em escala sem precedentes, do mercado de trabalho para cantores, compositores, poetas e instrumentistas.


Na primeira semana de março, parte da mídia de Porto Alegre voltou suas atenções para Uruguaiana. O berço da Califórnia da Canção Nativa seria, do dia 5 ao dia 7, o palco do 5º Carnaval Fora de Época.


"Fronteira reinventa a folia", fantasiou Zero Hora na contracapa da edição dominical de 1º de março. No texto interno, a correspondente Marina Lopes exaltou a "vocação" de Uruguaiana "para o samba"; afirmou que o evento alcançara "dimensão nacional" e reuniria "celebridades"; escreveu que o desfile das escolas iria encantar "público estimado em 120 mil pessoas" - multidão equivalente a quase toda a população do município (136 mil habitantes) e mais de cinco vezes superior à capacidade das arquibancadas e camarotes (23 mil pessoas). Enfim, uma festa imperdível para qualquer curioso.


Fui ver. Foi a terceira vez que estive em Uruguaiana, limpa, ampla e bonita à beira do Rio Uruguay. Vi arquibancadas e camarotes lotados por público animado. Vi bons desfiles de duas escolas, entre as oito do "Grupo Principal". Vi as "celebridades" - Adriana Bombom, Viviane Araújo e não lembro quem mais. Vi, enfim, uma festa menor e muito menor multidão do que as anunciadas por Zero Hora.


Com certeza, parte da diferença entre o que vi e o que anunciou, contou e/ou mostrou parcela da mídia de Porto Alegre foi determinada por alguns defeitos meus, como ignorância, insensibilidade, falta de graça e visão limitada. Mas outra razão tornou-se decisiva para determinar aquela diferença: a cobertura feita por alguns veículos de comunicação da capital foi contratada - e foi ou será paga - pela Prefeitura de Uruguaiana.


Resumo: o 5º Carnaval Fora de Época foi uma festa de dimensão e de qualidade multiplicadas e amplificadas por parcela da mídia - RBS e Record - paga pelo município.


Essa não é uma modalidade de negócio nova, nem estranha, nem exclusiva de grupos de comunicação gaúchos ou instalados no Rio Grande do Sul. Ao contrário, o pagamento da cobertura de eventos, por seus realizadores ou patrocinadores, é uma prática largamente disseminada. E, em qualquer lugar, é desonesta quando travestida em cobertura jornalística.

Autor

O jornalista Robson Barenho está na profissão há 35 anos e, depois de ar pelas atividades de redação e de reportagem em rádio, TV e jornal, esteve em funções de chefia, gerência e direção de Jornalismo em Porto Alegre, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, nos jornais O Globo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e Correio Braziliense; na Rede Bandeirantes de Televisão e na Rede CBN. Atuou nas rádios Tupanci, Pelotense e Universidade, em Pelotas, e na Gaúcha. Foi para Brasília em 81 como correspondente da Guaíba e dos jornais da Caldas Junior. Ficou 27 anos entre Brasília, São Paulo e Rio,e  retornou a Porto Alegre no ano ado, onde atua na Pública Comunicação.

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