Espiral social
Como será que se desenvolve, hoje, um debate sobre mídias alternativas? Na faculdade de Jornalismo da Universidade Federal do RS, Fu Lana iria descobrir, …
Como será que se desenvolve, hoje, um debate sobre mídias alternativas? Na faculdade de Jornalismo da Universidade Federal do RS, Fu Lana iria descobrir, naquela Semana Acadêmica de Comunicação.
Não atenta aos nomes das pessoas nem aos dos veículos, ela estava apenas interessada na linguagem e no conteúdo. Quais seriam as críticas e quais seriam os caminhos apontados na primeira década do ano dois mil, pela vanguarda da comunicação no extremo sul do País?
Antes, seria preciso definir o que é alternativo. Em jornalismo - concluiu-se -, o que não é publicado na grande mídia é alternativo ou, como afirmaram todos: "é o único jeito que dá para fazer com a nossa cara e com o conteúdo que a gente quer colocar em discussão". Sendo assim, o alternativo proposto naquele momento não se referia a propostas estéticas. Ninguém queria inventar a roda: "Não fazemos nada inovador, mas precisamos mostrar ao público o que pensamos, porque o que fazemos ou pensamos não é mostrado nos meios tradicionais".
As idéias que surgem no movimento estudantil, hoje, fazem forte referência à falta de versões nas mídias em geral. Sob o ponto de vista dos estudantes, política, por exemplo, é um assunto não encontrado nos grandes jornais, pois as notícias parecem ser as mesmas publicadas em todos os veículos. O que os estudantes pedem são outras referências, outras visões da mesma realidade.
"A grande quantidade de informações encontradas por aí são fast-food. Estamos obesos de tanta informação sem qualidade. Qual é o nosso papel? Vamos fazer o mesmo que a grande mídia? Ou vamos trabalhar para públicos diferenciados, com qualidade de informação?". Tal como se estivéssemos em um templo, as manifestações foram de confirmação positiva a essa última pergunta.
O discurso, no total, já era conhecido de Fu Lana por ter freqüentado reuniões do movimento estudantil em épocas adas, mas ela nunca poderia imaginar que o pleito nos dias atuais permanecesse o mesmo: "A grande mídia não retrata a verdadeira realidade porque existem mecanismos de controle que perpetuam a idiotização. É preciso cuidado para não explodir ou enlouquecer". É claro que Fu Lana compreende essa expressão, e compactua com ela. No entanto, era estranho ver crianças (os jovens pareciam inocentes) pensando como adultos escolados em engolir os sapos de cada dia.
A diferença encontra-se na existência da internet, como um balão de ensaio de uma sociedade livre. A blogosfera, sendo assim, potencialmente perigosa, estaria ameaçada de extinção e sujeita a limites que estariam sendo propostos e estudados pelos poderosos. "Devemos aproveitar ao máximo essa ferramenta, antes que eles percebam que ela é extremamente funcional para a disseminação de idéias mais variadas, com uma eficácia e um alcance inimagináveis", alertava um dos palestrantes, diretor de um site alternativo de notícias. Fu Lana foi checar no mesmo minuto e, através de seu poderoso lap-top, pôde visualizar fotos do avanço dos brigadianos na Praça da Matriz, há alguns dias, em Porto Alegre, baixando o cassetete sobre manifestantes desarmados que reivindicavam os direitos da categoria.
Na sala, ecoava o som dos microfones: "Precisamos encontrar formas de colocar nossas pequenas realidades na soma da representação do mundo. Nossas edições são compartilhadas com vários companheiros dentro de nosso pequeno tamanho. Há dificuldades financeiras e ainda não sobrevivemos desse trabalho alternativo, mas fazemos isso pela militância do Jornalismo e acreditamos que um dia poderemos viver de dizer a verdade."
É um ideal romântico, mas, cá pra nós, perfeitamente viável. Os jovens poderiam estar ali um pouco acuados pela maioria de estudantes que os rotulam de alienados, malucos ou paranóicos, no entanto não tinha como não aceitar o que estavam dizendo. Estavam cobertos de razão. Do jeito que era dito, porém, os fatos poderiam parecer bobagem, em expressões como "tudo o que sai na grande imprensa é lixo", ou "o sistema não permite que você exista".
A prova de que é possível viver pela via alternativa é que existem editoras, jornais, sites e blogs que convivem com a grande mídia e, em algumas situações, somam esforços, como na produção audiovisual. Todos reconhecem a teoria das brechas, mas reclamam por seus direitos de cidadãos à informação diversificada.
Outra diferença importante, desta reunião de estudantes para aquela de outras épocas, é a que ser de esquerda não significa concordar com um ou outro partido. Eles fazem questão de tomar distância de pensamentos fechados. Ser de esquerda é ter um pensamento humanitário, a favor dos que não têm voz, e militar por isso. Afinal, "o que não é visto, nem existe e as pessoas valem mais do que o poder econômico que possuem". Ninguém ali acredita na neutralidade apregoada nos bancos escolares e todos acham que é possível fazer "Jornalismo sem rabo preso".
Naquele momento, Fu Lana percebeu que, entre os estudantes de Jornalismo, a informação é tratada como um bem comum. A idéia que eles fazem de trabalhar em uma redação é a de um sujeito que busca a notícia e que será amassado pela voz do editor. Este, por sua vez, a serviço do patrão, não hesitará em modificar o que foi entregue pelo repórter, mesmo que acabe não representando a realidade encontrada nas ruas. Ou seja, a idéia de que a classe dominante impõe os fatos e a visão de mundo aos dominados.
Será que eles não estão certos em pensarem dessa forma? Tchã, tchã, tchã, tchãn? Fu Lana percebeu que o mundo gira sobre si mesmo, mas não sai mesmo do lugar.