Especulações e unanimidades

Dois comentários aqui mesmo do Coletiva me inspiram a escrever o meu, desta primeira sexta-feira de junho. Começo pelo do Jayme Copstein, trazendo memórias …

Dois comentários aqui mesmo do Coletiva me inspiram a escrever o meu, desta primeira sexta-feira de junho. Começo pelo do Jayme Copstein, trazendo memórias da morte de José Antônio Daudt e refletindo sobre os descaminhos das investigações e este verdadeiro inferno que é a especulação.


Esta ação - a de especular - é, para mim, uma ampliação do pós-fofoca: conhecido e divulgado o fato, seja ele real ou inventado, na impossibilidade de achar suas causas e determinar o o a o de sua execução (responsáveis incluídos), especula-se. Com Daudt, foi por aí mesmo - uma fofocalhada de vizinhança, típica, que desembocou numa devassa na vida pessoal da vítima (que até poderia, mas em nada ajudou na solução do crime) e que, ainda hoje, 20 anos depois, continua sendo ada de janela em janela, como se milhares de Donas Marocas se comprazessem em contar o causo à sua moda, muitas vezes tornando a vítima um réu.


Temos exemplo bem recente, no chamado caso Isabella, em que, por último, não faltou a presença de um tornado célebre especialista em perícia criminal não só foi deselegante com os colegas como levantou suspeitas ainda piores do que as que haviam tumultuado a vida do brasileiro desde o assassinato da criança. Para completar, o abominável tenente que, graças a Deus, deu um tiro na própria cabeça depois de lesar sabe-se lá quantas crianças com sua tara indefensável, deu à defesa dos acusados pela morte de Isabella mais uma desculpa para tentar reverter o que parece irreversível.


Tudo especulação.


Só para encerrar o tema especulação e especificamente o que se refere a Daudt: as matérias de Zero Hora ignoraram solenemente o programa de rádio que ele manteve na Gaúcha, das 8 às 9 da manhã, de segunda a sexta, na mesma época em que atuava no Portovisão, da então TV Difusora. O Tribuna Gaúcha tinha imensa repercussão na comunidade e a ele Daudt se dedicava com mais intensidade que ao da TV, onde seu tempo era menor. Aliás, o nome foi de escolha dele, em memória de antigo jornal da esquerda política do Estado. Mandei comentário para a ZH online que o publicou, mas nada acrescentou às matérias. Já meu mail para Marcelo Rech não mereceu resposta. O que não me tira o sono, apenas confirma que para ZH o mais importante foi carnavalizar os 20 anos de morte e não expor os fatos com clareza. Lamentável, ainda mais por ter sido Daudt cria da casa, benquisto de Maurício Sirotsky e parceiro de seus filhos.


O outro comentário em que me engancho, hoje, é do André Arnt, sobre o canadense Cirque du Soleil. Acima de tudo, uma apreciação corajosa porque, diante das "unanimidades" elogiadas e incensadas, em especial da cultura, todo mundo segue o mesmo caminho: não fala que achou ruim nem por decreto, só de medo de pagar mico. Não vi o Cirque du Soleil ao vivo, mas conheço o trabalho sobretudo pelas várias apresentações feitas nos canais pagos. Acho a iniciativa do ex-artista de rua Guy la Liberté fantástica, mais que tudo um achado mercadológico que pegou a singeleza do circo e a ampliou, transformando-a num espetáculo sofisticado, ao estilo da Broadway, e com "franquias" mundo afora.


O Cirque não me incomoda. Me incomoda exatamente isso que André diz: a obrigação de ver e gostar. Há muitos anos, quando o Porto Alegre em Cena trouxe o "revolucionário" La Fura dels Baus da Espanha para um espaço no DC Navegantes, escrevi para a infelizmente extinta revista Porto&Vírgula um artigo em que mostrava meu desapontamento e até minha raiva com o que considerei um excesso de farofagem (jogavam farinha aos quilos no público) e galinhagem (havia muita galinha morta em cena) para pouco resultado. Não preciso dizer que nunca mais ganhei sequer um convite para o Porto Alegre em Cena!


Acho, nos meus achismos de sempre, que as pessoas em geral têm dificuldade em duas coisas: dizer que não gostam quando o fino, o culto e o bem é dizer que gostam. E ouvir o outro lhe dizer isso sem se sentir abalado no mais íntimo de suas crenças da cultura de massa vendida a peso de ouro, como salienta André.


Unanimidade é uma praga. Assim como especulação.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

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