Era uma vez um Ponto-e-Vírgula
Foi a issão, o apelido e a demissão mais rápida do Correio do Povo, onde o tempo escorria penosamente. Tantos anos depois, já não …
Foi a issão, o apelido e a demissão mais rápida do Correio do Povo, onde o tempo escorria penosamente. Tantos anos depois, já não dá para lembrar o nome, mas a quebra dos recordes teve explicações lógicas.
Era "parente de um parente". Mesmo aos maus entendedores, as meias-palavras bastarão. Foi o suficiente para lhe carimbar o aporte de ingresso, sem o ritual dos longos meses e até anos de espera por uma vaga.
Nem bem uma hora depois de ter se apresentado ao redator-chefe, ele ganhou o apelido de Ponto-e-Vírgula. O joelho endurecido o fazia fincar um pé no chão e puxar a outra perna para dar o o. Fosse telegrafista, com toda a certeza seria Ponto-e-Barra.
Não foi maldade. Foi a maneira desastrada como entrou na Redação, deitando banca, ensinando "os trouxas" a fazer jornal, que só ele sabia. De sobra, alguns "pega-trouxas", para pôr os outros em ridículo, de que só ele ria despregadamente. A empáfia e a sem-cerimônia, temperadas com o hálito de quem buscava persistentes inspirações na garrafa, foram suficientes para a irritação geral.
Mal tinha se ado também uma hora do espetaculoso ingresso, o Ponto-e-Vírgula ganhou a primeira pauta - e também a última: entrevista coletiva, do novo superintendente da Receita Federal no Rio Grande do Sul.
Era fevereiro, dia quente e abafado, daqueles de fazer sonhar com beldades de sarongue, dançando ula-ula nas praias dos mares do Sul. O superintendente, aconselhado por algum criativo assessor de "Como fazer amigos e influenciar pessoas", desejou cativar os repórteres com refrigerantes, cerveja e salgadinhos, que seriam servidos no fim. Ficaram na sala ao lado, mas à vista de todos, em uma mesa grande, improvisada com pranchões de madeira sobre cavaletes e atoalhada com papel rosado de embrulho.
O superintendente começou a entrevista com uma longa exposição sobre a nova filosofia que "visava" (modismo da época, mais tarde substituído pelo originalíssimo "a nível de") transformar um assustado contribuinte em "amigo" do Fisco. A Receita estava "demitindo" (palavra textual) o Leão da propaganda do Imposto de Renda.
O "Ponto-e-Vírgula" suspirava e se remexia sem parar, na cadeira. Não conseguia despregar os olhos das garrafas de cerveja, recém-saídas do refrigerador, ainda embaciadas, as gotas geladas descolando o rótulo. Agüentou ao máximo. Mas quando o superintendente quis saber se alguém tinha alguma pergunta a fazer, não se conteve:
"Quem sabe, excelência, a gente deixa a conversa para depois e a aos "finalmentes" na sala ao lado?"
Foram as suas últimas palavras. Não retornou à redação com a matéria, deixando atrás de si um mistério. Os menos imaginativos disseram que encontrara ordem de se apresentar ao Departamento de Pessoal, tão logo surgisse na porta de entrada do prédio.
Os outros, os que lhe tinham dado o apelido, contaram história diferente. Que furioso pela demissão do Imposto de Renda, o Leão se vingara, comendo o Ponto-e-Vírgula.
Seja como for, dele nunca mais se soube.