Entrelinhas da imagem
Vivemos em uma sociedade escópica. Fu Lana achou essa no Google, impulsionada pela leitura de (Re)velações do olhar, recortes do processo criativo com Liana …
Vivemos em uma sociedade escópica. Fu Lana achou essa no Google, impulsionada pela leitura de (Re)velações do olhar, recortes do processo criativo com Liana Timm. Vejo e sou visto, logo existo. Essa é a palavra de ordem nos dias de hoje, diferentemente da máxima cartesiana quando bastava o pensar. O prazer que está em olhar (apreciar pelo sentido) conforta e traz paz a quem acredita que a vida se torna inável sem a arte. Existe sempre algo novo no que se vê. Sempre há alguma coisa escondida além do objeto visto. São as entrelinhas das imagens. Liana cita Clarice Lispector: depois de pescarmos a entrelinha, podemos colocar a palavra fora. E jogar conversa fora é a proposta dos autores: uma arte-educadora (Emília Viero) e dois psicanalistas (Jaime Betts e Lenira Balbueno Fleck). Escrito com base nos encontros do projeto Happy Hour do Margs, quando Liana falava de sua obra para uma platéia curiosa, o livro não apenas apresenta o trabalho da artista. Ele esclarece, didaticamente, a forma de expressão e pensamento de Liana, que também é arquiteta, poeta, professora e designer. Ela procura seguir um impulso interno, tendo muitas vezes uma intenção ao iniciar e, deixando-se levar, chega outra ao final. Permite que o lado obscuro, e não dito, apareça. Em psicanálise, trata-se do Isso, um estrangeiro que nos habita. Na verdade, segundo Liana, habitar o mistério é um privilégio, porém percebê-lo também o é. Assim como ela trabalha com a imagem ou com a palavra, quem a vê ou lê tem o mesmo privilégio. E é real. O prazer em esmiuçar o olhar sobre o livro dá conta de um revigorar. Como uma poeta, Liana pinta. E vice-versa. Se com a poesia junta palavras que querem dizer outras palavras, nas imagens une significantes e os descontextualiza, trazendo novas relações de aproximação. Novos diálogos. Novo olhar. Sua apreciação pela arte grega nos faz reconhecer figuras mitológicas nas obras. "Que não dizem, insinuam". Na série David sem Ângelo, Liana apresenta o ideal masculino de beleza fracionado e põe sua ênfase pessoal em um "ponto de horror": o olhar angustiado daquele homem. A fragilidade da fortaleza. Em outras obras, surge a Medusa, que petrifica o olhar. Sempre a força do olhar. É o que domina na temática de Liana. E ela diz: sempre tive à mão, a mão para criar o mundo. Na verdade, Fu Lana conhecia e acompanhou parte da trajetória de Liana, identificando sua caligrafia (seu estilo) com facilidade, mas foi aprendendo, através das (re)velações, a perceber melhor seu trabalho de colagem, da superposição, das pinturas, que por vezes são artesanais; outras vezes, digitais. Fu Lana descobriu no livro que o psicanalista também é uma tela. Os psicanalistas, assim como os artistas, precisam se exilar de suas histórias individuais, esvaziar-se e tornar-se uma tela em branco. Quando ouvem o analisante, vão compondo a "pintura em um quadro" e ao apreciá-lo podem perceber novas relações com as informações postas ali sem regras preestabelecidas. Liana trabalha assim. Deixa surgir, em seu exílio, o que realmente importa, o que quer vir à tona, seus sons mais íntimos. E cita Picasso: ele não procura, acha. Aos textos, com pinceladas psicanalíticas, aliam-se obras de arte visual e poesias de Liana, além de suas realizações, livros publicados e atividades profissionais. Como designer, ela revela que, apesar do trabalho em design ser dirigido, sempre traz algo de particular, uma marca autoral e individual. Fu Lana ficou satisfeita. Acrescentou mais um tijolinho em sua construção. E um livro em sua prateleira de prazeres.
(Re)velações do olhar - Recortes do processo criativo com Liana Timm. 208 páginas - Território das Artes Editora - R$ 40,00.
O livro tem lançamento em 16 de maio, com a abertura da exposição da artista, no Margs, sala Iberê Camargo, em Porto Alegre.