Em Rosário ou Irajá

No golpe de 1964, um fugitivo da ditadura caçado pela polícia de Porto Alegre, chegou a São Paulo com uma mão atrás e a …

No golpe de 1964, um fugitivo da ditadura caçado pela polícia de Porto Alegre, chegou a São Paulo com uma mão atrás e a outra também. Era eu.


Luiz Celso de Piratininga Figueiredo, o Pira, amigo-irmão, ex-colega da Caetano de Campos, sabedor da minha condição de indigente, insistiu para que eu virasse um redator de propaganda na agência que ele dirigia.


Numa discussão interminável, face ao meu argumento que não entendia nada do ofício, ele foi categórico:


- Finge, pô!


Essa imposição fez reviver meus tempos de ator e entrei em cena como publicitário. O intérprete foi fundo na caracterização, mudou-se para o Rio, virou diretor de Criação da Standard Propaganda, então a maior do país. Gostava mais de ser contato e também foi.


Anos sem férias, consegui em 1968 ir descansar, montando a filial da agência na Bahia, antes de chefiar o grupo de atendimento da conta da Shell.  


Num domingo pela manhã, o Pira aborreceu-se em casa, em São Paulo , e como morava próximo ao aeroporto, pegou um avião para o Rio. Chegando à minha casa, em Copacabana, foi informado que eu estava em Salvador. Perguntou pela companheira:


- E a Lara?


- Também.


Pegou um avião de volta, chegou em casa, sentou-se, abriu o jornal e advertiu os filhos:


- Se alguém me encher o saco, eu mato!


Minhas primeiras férias na Rede Globo, onde implantei a Agência da Casa, em 1977, foram sintonizadas com as da minha segunda companheira, Áurea, hoje esposa. Indagada se preferia fazer uma viagem de pobre pela Europa ou de rica pelo Brasil, optou pela segunda.


Completei, então, meu conhecimento do Brasil: Manaus, Belém e São Luís, revivendo Fortaleza, Recife e Salvador.


Na Bahia, com mais de 20 dias de viagem e confirmando que a mesa havia sido farta, tive que comprar camisas, as da viagem não abotoavam mais.


Estava retomando o trabalho quando Magaldi, o chefão, advertiu-me:


- Não esquenta a cadeira, Mario, você vai para Rosário, na Argentina, representar a Globo no FIAP - Festival Ibero-americano de Publicidade.


Resumo da ópera: Magaldi iria com Beá, a esposa, o trabalho dele engrossou, agens e hotéis marcados em Rosário e Buenos Aires (na capital, três dias de brinde por conta da Globo), Áurea conseguiu licença na IBM e, sete dias depois, descíamos do avião em Rosário.


Anos antes, a peça de Fernando Melo - "Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá" - emplacara um grande sucesso e repercutira por todo o Brasil.    


Fazia tempo que Piratininga, na época dono de agência e presidente da Associação Paulista de Propaganda, e eu não nos víamos.


Sabedor da nossa chegada, o hoje presidente da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo, estava na pista, à nossa espera e sacou logo no abraço:


- Quem diria, heim, Greta Garbo no Irajá?!


Faz tempo que a gente não se vê, mas nos veremos, é claro. Nem que seja no Irajá.


Inté.

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Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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