E se a vida fosse um folhetim da Rede Globo?

Cena frenética em que as potentes viaturas da Polícia se deslocam pelas ruas de São Paulo. Corta para os carros freando de chofre em …

Cena frenética em que as potentes viaturas da Polícia se deslocam pelas ruas de São Paulo. Corta para os carros freando de chofre em formação de cerco ao luxuoso prédio dos escritórios de um certo Rafael Bancas. Toca o celular do delegado Precócenes. Ele atende usando um codinome pois  teme que seu telefone esteja grampeado:


- Sim, sim, é o Sol por enquanto sem p.


- OK Sol  por enquanto sem p. Tio Patinhas está na piscina cheia de grana.


- Positivo. Mandem fechar o quarteirão e avisem a imprensa.



A trilha musical sugere um forte clima de tensão.Corta para a cena em que Regina Duarte diz:


- Gente, eu estou com medo!


Entra o breack comercial. Adriana Galisteu na frente da Câmara Federal dá o texto:


-Se você também tem um namorado que quando não está fazendo cera está voando, aproveite a promoção "É com esta que eu vou" e vá para o  Carnaval no Nordeste com tudo pago com o dinheiro dos contribuintes. 


Peg-shot com a logomarca da empresa e o locutor diz: "-Voe  Tan Tan, está todo mundo louco mesmo."



Volta para novela. Câmera fechada em Rafael Bancas ; ele mexe a pedra de gelo no copo de uísque com o dedo anelar da mão que segura um charuto (cena com uma belíssima fotografia), enquanto ouve Flora (Patricia Pilar). A fumaça azulada do charuto desenha espirais ascendetes de delicada beleza plástica. Ela fala mansinho, muito sedutora e sorridente.


- Deixe-se prender com tranquilidade. As provas,  embora verdadeiras, são ilegais. Nesse caso você a a ser vítima ah ah ah (solta risadas sonoras) e logo? ah ah ah? você estará solto e? ah ah ah, este delegadozinho será processado.


Rafael Bancas apenas dá um piscadinha para ela e começa a penetrar os círculos de fumaça com o charuto, num evidente ato fálico, mas Flora finge que não percebe.


Corta para o delegado Precócenes preparado-se para entrar na sala, enquanto fala pelo microfone de lapela:


- Sol por enquanto sem p, entrando na piscina.


No outro dia as principais manchetes estampam Rafael Bancas e sua principal declaração:  "Vou abrir a caixa preta, vou dar nome aos bois."


Em sua casa Regina Duarte, que assiste à reportagem pelo Jornal Nacional, volta-se para sua família e diz: "Gente, eu estou com medo".


No próximo capítulo Rafael Bancas está sendo interrogado pela I do Senado. Um senador furioso com seu silêncio protegido pelo Supremo Tribunal, vocifera:


- Se o senhor tem uma gota de caráter, fale para a nação brasileira, dê nome aos bois.


Bancas, com olheiras profundas, cansado de longas horas sob pressão, súbito fica com o olhar distante, sua mente está longe dali. Ele lembra que sua amante, sobrinha de um megainvestidor da bolsa, uma mulher ambiciosa e desalmada, após ter incitado o suicídio do tio, rompeu com ele, Rafael Bancas, para se casar com um alto executivo da Daslu. O jovem, enquanto gay, foi casado com um ex-funcionário do seu conglomerado que, por sua vez, conhecia todas as trilhas, senhas e  códigos das remessas para paraísos fiscais. Bancas soube recentemente que o jovem teve uma recaída e voltou a namorar seu ex-funcionário que semanas antes teve uma recaída no sentido inverso e estava namorando a ex-amante de um doleiro cujas ligações com os chefões do tráfico de armas o levaram para a cadeia. Arrependido, ele aceitou os benefícios da delação premiada, mas teria ado para a ex-namorada uma lista com "o nome dos bois ", depois entregue à Flora dentro de uma caixa de pastéizinhos de Santa Clara.


A voz metálica do vestuto senador o tira da letargia:


- Vamos, a Pátria espera com ansiedade, dê nome aos bois.


Bancas olha para o senador com ar de desafio e fala, levantando a voz:


- Muito bem, se é isso que vocês querem, vou dar nomes aos bois. Se o país estremecer, se governos se esfacelarem, se as instituições desmoronarem, eu não me responsabilizo. Corta para Flora, sentada nas galerias do público. Ela está tensa e murmura: " Não faça isso, seu idiota". A cena volta para Bancas, em close. Gotas de suor escorrem de sua testa. Ele bebe um gole no copo com água e diz em tom firme:



- Ferrugem, Malhado, Mimoso e Bumbá.


Ouve-se uma gargalhada nos fundos das galerias. Flora sai às pressas, curvada de rir. Em casa Regina Duarte tira os olhos da TV e  pergunta a um amigo: "Ai meu Deus, e agora? O que vão fazer com os boizinhos? Gente, eu estou morrendo de medo".

Autor

Paulo Tiaraju é publicitário, diretor de Criação da agência Match Point, cronista e violeiro. Foi o primeiro criativo gaúcho a ganhar o prêmio Publicitário do Ano, concedido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP). É pai de Gabriel Nunes Aquino.

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