E se a vida fosse um desenho animado?

Imagine tudo num desenho que lembra Tom & Jerry. No fragor dos embates a Yeda chama o Feijó, oferece um charuto, ele acende muito …

Imagine tudo num desenho que lembra Tom & Jerry. No fragor dos embates a Yeda chama o Feijó, oferece um charuto, ele acende muito feliz e bum! O charuto explode e o vice sobe até Saturno, faz uma órbita completa em torno do planeta e volta para o mesmo lugar, completamente preto e piscando os olhinhos. O vice logo se recupera e pisa num botão, abre-se um alçapão e a governadora cai num túnel que desemboca em cima da grande mesa no meio de uma reunião com a ala mais xiita do ers  Sindicato. As professoras começam a jogar seus sapatos na governadora que se esquiva muito bem de todos os projéteis. Um dos sapatos acerta um enorme buldog (dos desenhos de Hanna e Barbera) que estava dormindo. O cão acorda furioso e invade a sala correndo atrás de todo mundo. Algumas das professoras mais obesas ficam para trás e se refugiam em uma sala onde há uma TV ligada em que Olívia Palito aparece num comercial de TV apresentando uma dieta milagrosa para emagrecer. Pela janela vê-se ao fundo ar o padre catarinense abanando para todos, a bordo dos seus balões coloridos em direção ao mar. O Pica-Pau surge, bica os balões que esvaziam, sua geringonça aérea pousa suavemente no chão e o padre maluco não morre.


E se a vida fosse um filme de Woody Allen?


Ah, sim, sugiro que, a despeito do número de divórcios aumentar, haveria mais hesitações, mais reflexões inspiradas em contradições existenciais. As neuroses seriam mais afloradas e os consultórios dos (e das) psicanalistas voltariam a experimentar o boom dos anos 70 e 80 do século ado. Casais, antes de divórcio, fariam mais tentativas sinceras. Por exemplo: fariam uma segunda lua de mel, desta vez cada conjuge com o seu e a sua amante, respectivamente, para terem certeza se realmente era isso que queriam, ou não. Caso o marido ficasse em casa, a mulher ligaria do hotel em Paris para saber se as crianças estão bem, mas quem atenderia o telefone seria a linda babá. (Não esquecer que o filme de Woody Allen se aria no Brasil.)


Sem interromper a transa, de pé, na cozinha, com o marido da patroa, a babá diz que as crianças estão brincando na casa do vizinho e que o "seu Ricardo ligou avisando que vai trabalhar até mais tarde ". Sim, estava ofegante porque veio correndo do jardim para atender ao telefone. Súbito, a mulher em Paris ouve estampidos de tiros pelo telefone e grita em pânico: "O que é isto, Simone? Que barulho é este?". A babá, sem demonstrar qualquer alteração na voz, apenas diz que esqueceu a a de pipocas no fogo e desliga, não o fogo, o telefone. Na verdade tudo não ou da simulação de uma fantasia sexual do marido da babá. Com a cumplicidade da esposa, ele se excitava em "atuar" como se tivesse flagrado a mulher em plena traição. A seguir descarregava um revólver com tiros de festim na esposa "adúltera" e no sujeito que estava com ela. O marido percebe que não está ferido e "agradece" ao psicopata que o alvejou "só de brincadeirinha", e ainda pede desculpas por ter transado sua mulher. O marido da babá responde que "ninguém deve nada para ninguém pois eu também já transei com a sua senhora ".


E se a vida fosse um filme de Buñuel?


No palácio de Buckinghan, a rainha Elizabeth II oferece um jantar de altíssima gala para os representantes do G20, tendo ao fundo um grande cortinado grená. Súbito a rainha convida Lula para dançar uma valsa vienense. O príncipe Charlie não gosta da quebra do protocolo e, para espanto dos lordes, despeja uma taça de champanhe na cabeça do presidente brasileiro, sem perder a fleuma. Lula, sempre com um sorriso nos lábios, diz: "Faça isso não, meu filho, você é príncipe, mas eu sou o rei do supapo". O tradutor inglês se confunde e entende que o presidente brasileiro chamou o príncipe de sapo. E completa por sua conta (diante da imprensa horrorizada): "O presidente brasileiro declarou que, depois que o herdeiro da monarquia britânica foi beijado por Camile Parker, virou um sapo". Barack Obama, que a tudo assistia com entusiasmo, levantou os dois polegares e festejou: "He is the man. I love him. Give me a five, man!".  E deu a palma da mão no ar para Lula bater e o presidente brasileiro bateu com gosto.


Neste momento o grande cortinado grená de fundo se abre e revela que todos estavam num palco o tempo todo, pois, atrás do pano, havia uma imensa platéia internacional. Parte da platéia começa a gritar "Manda pro quarto, manda pro quarto !". A outra parte grita: "Sem sobremesa, sem sobremesa!". E a maioria: "Sem TV, sem TV!". A rainha sorri para o mundo e depois, furiosa, ordena que o príncipe Charlie se recolha aos seus aposentos, sem comer a sobremesa e proibido de assistir TV por uma semana. O primeiro ministro inglês comenta baixinho que a pena foi severa demais, que a rainha teria perdido a cabeça. Sarkozi que estava por perto responde: "Bem, a nossa última rainha também perdeu a cabeça, se bem que, por outras razões. C?est la vie".

Autor

Paulo Tiaraju é publicitário, diretor de Criação da agência Match Point, cronista e violeiro. Foi o primeiro criativo gaúcho a ganhar o prêmio Publicitário do Ano, concedido pela Associação Riograndense de Propaganda (ARP). É pai de Gabriel Nunes Aquino.

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