Dubito, ergo cogito, ergo sum*

RIO ? A Rua Adolfo Bergamini, no Engenho de Dentro, será fechada nesta quarta-feira, entre as ruas Dias da Cruz e Borja Reis, de 13h …

RIO - A Rua Adolfo Bergamini, no Engenho
de Dentro,
será fechada nesta quarta-feira, entre as ruas Dias da Cruz e Borja Reis, de 13h até as 19h, para o Bloco Chave de Ouro.
2009: notícia na imprensa carioca 



Muito preocupado com minha condição de vivente, sou um crente devotado à minha vida e, como tal, ocupadíssimo com ela.


Desde há muito, eliminei de minhas divagações ou cogitações as origens do mundo, o pós-vida e tudo que não seja, ainda, do conhecimento científico. Como não preciso e não tenho fé, ocupo-me em viver. A ética me basta.


Outro dia, ao ler em O Globo artigo de um rabino que, baseado na Bíblia, censurava manifestações no registro do bicentenário de Darwin, eu, em nome da Lógica, mandei um curtíssimo texto para "Carta dos Leitores". Inda que achando difícil a publicação, mesmo eximindo-me de qualquer postura religiosa, registrei meu ponto de vista discordante do rabino que contrapôs sua fé no possível, mas impossível de provar, aos fundamentos da Ciência, possíveis e sempre íveis de provas.


A imprensa nos últimos dias vem dando cobertura ao aborto induzido numa pernambucana de 9 anos, estuprada e engravidada pelo padrasto.   Esse aborto, conforme a Medicina, antecipou a morte, em meses, de dois fetos e salvou a menina da futura morte, também certa.


O arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, cumprindo as leis do Direito Canônico da sua Igreja, excomungou os médicos que salvaram a vida da menina.


Não satisfeito em aplicar a lei que representa, ao afirmar que "A lei de Deus está acima de qualquer lei humana" deu uma opinião pessoal desrespeitosa para com toda a grande maioria do mundo, cujas crenças e descrenças não têm origens bíblicas. Esqueceu-se, inclusive, que exerce o seu sacerdócio em Estado laico e, portanto, submetido a uma legislação própria.


Quem quiser ser respeitado tem que respeitar e eu, que respeito todas as posturas religiosas ou não, não posso respeitar essa triste e prepotente figura.


Felizmente, em minha opinião, os médicos, em nome do bom senso e da vida, desconheceram o Juramento de Hipócrates: Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.


Os tempos são outros, e a tecnologia oferece aos médicos, e à ciência em geral, as ferramentas para que o bom senso prevaleça na escolha da melhor decisão. Já o arcebispo?


No caso, é evidente que a Medicina evolui enquanto o Direito Canônico estacionou no tempo.


A excomunhão é uma das maiores penas que um fiel pode receber da Igreja Católica. Proibidos de receber os Sacramentos, os excomungados, de acordo com a mesma Igreja, ao morrer, em vez de ir para o Purgatório, Céu ou Inferno, até abril de 2007 foram para o Limbo, fazer companhia a todos que não foram batizados. Na contagem da época, uns 4 bilhões de terrestres não-católicos estavam predestinados ao Limbo, ou seja, ao Nada. Há dois anos, o Papa aboliu esse Nada.


Estamos na Quaresma, período em que parte dos católicos se voltava para a reflexão e, inclusive, para algumas recomendações litúrgicas, entre as quais um dia de jejum.


Nem sei se essas recomendações ainda existem nas prédicas do período, mas quanto à Quarta-Feira de Cinzas, primeiro dia após o Carnaval e também o primeiro da Quaresma, virou uma esculhambação generalizada em boa parte do Brasil. Muitos milhões de brasileiros estenderam a folia para a quarta-feira e mesmo até para o sábado. Mas nem sempre foi assim.


Na Quarta-feira de Cinzas de 1943, no ocaso da ditadura Vargas (10.11.1937/29.10.1945), o grupo que assistia a um filme no cinema do "seu" Tuninho, no bairro Engenho de Dentro, Rio, foi expulso por promover algazarra. A "vingança" dos rapazes foi sair desfilando pelas ruas da região cantando músicas carnavalescas. Gostaram e, no ano seguinte, ao meio-dia, repetiram a dose. Por ser um "dia santo", a polícia dissolveu o desfile. Pronto, a tradição se instalava e a repressão também, até 1977, o 34º desfile "proibido". Como a permissão acabara a graça, acabou também aquela festa em data pagã.


Já no século XXI, o Chave de Ouro ressuscitou, recebendo, inclusive, dinheiro do Estado.


Fosse agora, o romano Cícero, um católico carioca, certamente repetiria:


O tempora, o mores (Oh tempos, oh costumes).


A própria contagem dos 40 dias da Quaresma também virou uma esculhambação.  Tanto no Aurélio como no Houaiss, a Quaresma termina no Domingo de Páscoa, o que, sem maiores explicações, é um absurdo aritmético.


Caso você queira se divertir, entre num site de pesquisas, coloque  "Quaresma" e ria bastante até encontrar duas contagens possíveis. Uma delas deve ser a correta: a Quaresma tem 47 dias e termina no Domingo de Páscoa, mas, dentro da liturgia católica, os domingos daquele período não são considerados; a Quaresma tem 40 dias e acaba no Domingo de Ramos, o anterior ao da Páscoa.


Qual você prefere?


Inté.


*Eu duvido, logo penso, logo existo. Descartes 

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

Comments