Duas paixões

Por José Antônio Moraes de Oliveira

 

"As memórias que mais me gratificam 

serão sempre as do paladar."

Georges Simenon

 

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O belga Georges Simenon é celebrado como o criador de um dos grandes personagens da literatura policial moderna. Foram nada menos do que 75 novelas e 28 contos protagonizados com o Comissário Jules Maigret, que venderam milhões de exemplares em 40 idiomas. Ele era um ícone para a mídia que o entrevistava com frequência. Fez enorme sucesso e provocou um grande tumulto quando declarou ter conhecido biblicamente quatro mil mulheres e frequentado mil mesas em Paris.

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A ninguém revelou quem eram as damas, mas os restaurantes que ele frequentava são conhecidos por todos. Brotaram dezenas de narrativas inspiradas em suas predileções à mesa, graças às andanças de Jules Maigret por bistrôs, tascas e restaurantes de Paris e interior da França. Um destes roteiros tem por título 'Paris Chez Simenon', escrito por Michel Lemoine, um jornalista estudioso da obra de Georges Simenon. São cerca de 300 bistrôs, restaurantes, brasseries, bares e cafés; mas como foi publicado em 2000, é provável que muitos lugares já não mais existam. Mesmo assim, pode ser divertido caçar endereços em Pigalle, Place Clichy, Rue de La Fontaine ou na Place Dauphine.

Os leitores que acompanham as andanças de Jules Maigret por quartiers e boulevards devem lembrar suas escalas no Au Vieux Pressoir, um bistrô do Boulevard de Grenelle, onde ele pedia a Chaudrée Fourasienne, a sopa de peixes, típica da região de Charente. Acompanhada, é claro, de uma garrafa de bordeaux rouge. Ou em uma rara incursão pela cozinha italiana, como em 'Um fracasso de Maigret', quando vai ao Chez Gino, uma cantina da Rue de l'Etoile e pede o Spaghetti Milanaise.

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A narrativa muda de tom quando o Comissário sai para jantar fora com Madame Maigret. Ela prefere pratos simples, com preparo à moda dos camponeses. Em uma brasserie da Rue d'Enghien, a pedida é um choucroute à alsaciana, que os dois saboreiam lembrando dos velhos tempos no campo. A cozinha de Louise Maigret se tornou famosa quando Robert Courtine, um conhecido crítico gastronômico, publica em 1974, 'Le Cahier de Recettes de Madame Maigret', que lista menus caseiros e os pratos preferidos por Maigret em suas investigações criminais.

Nas memórias que escreveu em sua mansão na Suiça, Simenon agradeceu a Robert Courtine por evocações de infância, ao lembrar que cozinhava bifes, ervilhas e batatas fritas ao lado do pai e ensopados de bacon e legumes do lado da mãe: 

 

"Gostei daquelas experiências culinárias e, se não era gourmet, já era um gourmand."

 

A trajetória de Jules Maigret por mesas e balcões de zinco repete as experiências culinárias do jovem Simenon, desde sua chegada a Paris. Ele recorda das barracas de rua e dos "restaurantes de cocheiros", que serviram pratos simples e cujo cardápio, com apenas o prato principal, era escrito a giz em uma ardósia. Com vinho caseiro, feito pelo irmão, primo ou pelo cunhado do proprietário. E nostálgico, lembra:

 

"Foi deste período que guardei o sabor das andouillettes grelhadas, dos ensopados de carne de vaca, do fricandeau com azedinha.

Pratos, que ito, mais tarde impus ao meu bravo Maigret."

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Autor
José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia e tem agens pelo Jornal A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o Jornalismo pela Publicidade para produzir anúncios na MPM Propaganda para Ipiranga de Petróleo, Lojas Renner, Embratur e American Airlines. Foi também diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e cofundador do CENP, que estabeleceu normas-padrão para as agências de Publicidade. Escreveu o livro 'Entre Dois Verões', com crônicas sobre sua infância e adolescência na fazenda dos avós e na Porto Alegre dos velhos tempos. E-mail para contato: [email protected]

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