Domingão no salão
Êta povo estranho esse porto-alegrense. Fu Lana caminhava na tardinha do domingo até a Usina. Ao se aproximar dos matos da Harmonia, sentiu o …
Êta povo estranho esse porto-alegrense. Fu Lana caminhava na tardinha do domingo até a Usina. Ao se aproximar dos matos da Harmonia, sentiu o burburinho. Barracas, cavalos, gaitas e carros gritando a mil pelos alto-falantes, goste ou não o vivente. Cruz credo. Vixi que tava 32 graus às seis da tarde e os taura tavam de bota desde antiontem, com guaiacas e facões, e as prendas, além de pantalhas, usavam vestidos de várias camadas de colo fechado, farfalhando no lamaçal. Não seria de mau-gosto dizer que o ar cheirava a estrume e por mais que a gente olhasse para o Guaíba, para disfarçar, prestando atenção às quadras cariocas de esporte, patrocinadas pela Pepsi, com suas torres de jatinho de ar molhadinho, bem contemporâneo, não dava pra se livrar da catinga equina que vinha com a fumaceira dos matos. No ar, um rachicuricuri-rachicuricão esquisito de uma narração de rodeio. Nas ruas, cavalos eram levados em reboque de lá pra cá, alguns atirados nas carretas, outros acolchoados e protegidos carinhosamente da balbúrdia geral. Tudo isso Fu Lana ou para chegar à Usina, onde estaria o XVII Salão Internacional do Desenho para a Imprensa.
Mas não era pra hoje. Fu Lana tinha de completar os dez trabalhos de Hércules, e ainda atravessar a multidão que tomava conta da área no final da pista. Era aniversário da cidade, e além dos Mamonas Assassinas, tava tocando a Xuxa e seu in-su-por-tá-vel hilariê. Talvez Fu Lana, pé-frio, tenha perdido alguma apresentação mais simpática e gaudéria de nascença. Mas ali, daquele jeito, tava impossível de aguentar.
As obras de arte, localizadas à beira d"água, serviam de mesinhas, banquinhos e até de arquibancada. Fu Lana imaginava se aquele trapiche de ferro desabasse com toda aquela gente enlouquecida dependurada.
Entrou na Usina. Ufa. Ela e mais um milhão de pessoas.
Já na portaria foi aquele soco no estômago. Foi perguntar qual era a área do Salão e o cara largou: aqui não tem salão nenhum. Só a exposição dos 80 anos da Usina. Vixe, que ela era mesmo um pé-frio.
Lembrou sozinha de que acontecia na Galeria dos Arcos. E atravessou a exposição dos 80 anos, sem uma referência decente ao partido adversário, pois quem conta a história conta do seu jeito, eliminando os feitos dos outros. Despudoradamente, à la 1984.
Já estava ficando verde quando avistou o de chamada para o Salão. Uma ilustração belíssima, uma letra O
Tu vê, a artista que mora aqui, pertinho da gente, veio mostrar como se faz. Que legal que a cidade ofereceu a ela um espaço especial, como homenageada do XVII Salão. Bem que os jornais da terrinha poderiam se interessar e fazer uma bela pauta com ela.
Depois, Fu Lana percorreu os outros corredores, preocupando-se em atravessar pelos arcos, pois é uma delícia andar ali.
A caricatura, para quem não sabe, é um retrato cômico de uma pessoa, salientando seus traços peculiares e marcantes, não sendo necessariamente pejorativa (Fu Lana foi procurar o conceito na Wikipédia). A carinha do Jô Soares é uma obra e o Hitchcock é impressionante. Venceu em número de representações em caricatura a Amy Winehouse, a maluca de pedra e grande cantora, careteira de primeira. Algumas caricaturas são um enigma, o que foge um pouco ao ato de representar com identificação, mas vale pela ousadia. A caricatura de arame do Fidel é de matar de linda. Poderia ser uma escultura. A caricatura premiada (e na verdade, é uma bobagem essa coisa de premiação porque quem leva mesmo somos nós que ganhamos uma exposição organizadinha e embalada para dia de festa) traz um trio da pesada que só vai conhecer quem for à Usina. Pegadinha: mande os nomes desse trio caricaturado e vencedor para a clolunista
E foi assim se divertindo que Fu Lana eou pelos corredores da ilustração editorial, pela charge, pelo cartum e pelas histórias
Fu Lana retornou pelo mesmo caminho, sentindo-se meio tonta com tanta informação. Mas satisfeita. Tinha vontade de gritar no meio da multidão: afinal, somos loucos, mas estamos vivos.