Dom Pedro

Por José Antonio Vieira da Cunha, para Coletiva.net

Um certo clima de pessimismo e negativismo sempre acompanhou o Rio Grande do Sul desde o começo dos anos 80, um ambiente ruim turbinado por uma receita insuficiente para alcançar as despesas e uma dívida cavalar, crescente e incontrolável. As manchetes dos jornais, os grandes meios de comunicação da época junto com o rádio, exclamavam repetidas vezes, em suas letras garrafais e sempre nas primeiras páginas, que o Estado era ingovernável. Na imprensa, o que pontuava era a situação caótica das finanças públicas e da istração pública em geral.

Não foi surpresa que, ao assumir a condução do governo em março de 1987, Pedro Simon encontrou uma dívida equivalente a mais de três vezes a arrecadação anual do ICMS, algo em torno de 100 bilhões de reais hoje. Mais da metade deste valor estava vencido ou venceria naquele ano. Outra dívida enlouquecida era com os atrasos superiores a seis meses no pagamento a prefeituras, fornecedores e empreiteiras. 

O que ressaltava ali era a incapacidade da istração pública de atender a exigências mínimas da sociedade gaúcha. Saneamento, manutenção de escolas, hospitais, a segurança pública, a habitação popular, tudo estava numa situação de Mandrake, sem receber centavos. Pedro Simon, feito Dom Quixote, se dedicou a procurar liderar uma mobilização regional capaz de elevar a autoestima dos cidadãos. 

Não sei quem idealizou o slogan Leve o Rio Grande no Peito, que você, que nasceu no século ado, talvez se recorde. Quando me incorporei ao governo em agosto de 1988, substituindo na Secretaria de Comunicação o grande amigo Hélio Gama, obrigado a se afastar para tratar da saúde, já era corrente esta ideia, materializada em um botton que apresentava um coração estilizado, na forma de um mapa do Estado. Todo discurso de Simon martelava muito na difusão das mazelas gaúchas, e aquilo me pareceu uma contradição - o governo exortava os cidadãos a confiarem no Rio Grande, mas ao mesmo tempo escancarava e chorava suas mazelas. Comentei isso com o governador, que na hora mesmo bateu no meu braço, seu sinal muito especial de demonstrar aprovação, e chamou para a conversa a atenção de quatro ou cinco pessoas que estavam ali em seu gabinete. 

O discurso não mudou, o enfoque sim. "Há gente que foi feita para plantar e há gente que foi feita para colher", ou a afirmar em suas intervenções públicas, acrescentando, em tom conformado e no seu jeito franciscano de ser, que reconhecia que a vida lhe destinara o mais difícil - plantar. Ele quase sempre desprezava as anotações preparadas pela assessoria de comunicação, que enfatizava realizações e obras do governo. Orador por excelência, Simon preferia conduzir os ouvintes à análise de fatos determinantes das dificuldades vividas e a lembrança dos tempos em que o Rio Grande do Sul, na vanguarda de tantos setores, soube se afirmar.

Naqueles momentos, a pergunta que lançava atravessava sua plateia como um desafio: por que, ao longo do tempo, o Rio Grande do Sul foi perdendo seu espaço no cenário nacional?

Era mais de um seu alvo. Envolvia mexer com os brios de um povo que se gabava de histórica bravura, instigá-lo a reagir, exigir a sua participação na busca de solução para os problemas que o Estado enfrentava, conclamar a união de todos - para forçar decisões políticas - e despertar vontades empresariais.

Provocava e conclamava qual um apóstolo. A base de um Rio Grande de novo forte e grande estaria na crença e na determinação de seu povo. Por isto, seu clamor para que cada um levasse o Rio Grande no peito, na tarefa a que se via compelido, paralela à de , de arregimentar corações e mentes que levassem adiante o projeto de desenvolvimento e de volta ao combate às desigualdades e injustiças sociais.

Ao mesmo tempo, atirou-se com gana ao projeto de criação do Mercosul, que ainda estava em suas rodadas iniciais de conversações, embora sua concepção date de logo após a segunda guerra. Era um grande divulgador da ideia por vislumbrar que Porto Alegre poderia se apresentar como capital deste mercado comum, em função de uma localização geográfica que a coloca a meio caminho entre São Paulo e Argentina e Uruguai. Em um encontro em Uruguaiana, certa vez, em conversas com os presidentes Sarney e Menen, era o mais entusiasta na abordagem do assunto. Ganhou o respeito imediato do líder argentino, que só se referia ao governador gaúcho como Dom Pedro. (Tem mais na semana que vem.)

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas agens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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