Dois ícones
"Nosso atraso cria a utopia de que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas ser subdesenvolvido não é "não ter" futuro; é nunca estar …
"Nosso atraso cria a utopia de que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas ser subdesenvolvido não é "não ter" futuro; é nunca estar no presente." (Arnaldo Jabor)
"O homem é eterno enquanto seu trabalho permanece." (Carlos Pedrosa)
Sempre digo que acho legal ter uma única vida, mas que ela seja no 3° mundo é uma grande safadeza. Aos que me chamam de elitista, tenho uma única resposta: - Elitista é a mãe.
O que acontece num país com mais de 10% de analfabetos e uns 50% de semi vai do cômico ao trágico.
Numa discussão na qual a companheira queria discutir a relação, acabou-se uma longa relação. Eu tinha um relógio de pêndulo que não carreguei comigo. Todo sábado dava corda nele.
Hoje, tenho outro comprado há 26 anos, na Rua Rui Barbosa, endereço de antiquários em Salvador, Bahia. Todo sábado também dou corda nele e - desde sempre - capto a mensagem que a vida pede urgência, intensidade, profundidade? É um ícone a lembrar que, face à eternidade, a gente não existe? só a ação pode, talvez, nos justificar.
Esse Ansonia - comprado na Bahia, foi fabricado em outro estado - New York - em 1884. Isso não posso mais provar, pois uma nossa faxineira era analfabeta e, pensando ser sujeira a marca e o ano desgastados pelo tempo, "limpou com Bombril". Elitista é a mãe.
Aurea e eu compramos esse relógio nos primeiros anos em que estávamos começando a formar uma família. Virou ícone de todos os significados que possa haver para os parceiros dessa grande aventura de continuar através dos filhos. É disso que se nutre a eternidade?
Há duas semanas, escrevi: "".
Isso surpreendeu minha amiga, a jornalista Christina Lyra, que, por muitos anos, me ajudou a carregar o andor da Comunicação da Fundação Roberto Marinho: "? Você segue me surpreendendo - nunca imaginei que você criasse uma tartaruga".
Aos sábados, depois de dar corda no Ansonia, pego a bacia da Touché para trocar a água e servir a alface e dou-me conta que, salvo acidente, ela vai testemunhar, no seu sábio silêncio, a continuidade de muitas gerações.
Estou escrevendo esta crônica após ler um e-mail da jornalista Rachel, da Espanha, onde cobre para o JB um festival de cinema. Ontem, a jornalista Carla embarcou para um workshop de Divulgação Científica no Caribe e depois irá ao México, num intercâmbio na mesma área.
Elas e a neta Júlia são a garantia dos futuros cuidados com essa dupla de ícones: Ansonia e Touché.
Já que comentei sobre eternidade e ação, há que dizer obrigado à frustrada tentativa de suicídio de Tchaikovsky que me permitiu escrever essas palavras ao som de suas composições. Serão eternas?
Inté.