Distribuição numa hora dessas?

A lua está fora de curso. Quando isto acontece, todos deveriam parar… e esperar. Como ficariam os negócios? A bolsa, as negociações, a construção …


A lua está fora de curso. Quando isto acontece, todos deveriam parar? e esperar. Como ficariam os negócios? A bolsa, as negociações, a construção civil, os médicos, os hospitais? Catástofre. A lua fora de curso deveria ser um assunto proibido, escondido, desde que não se pode evitar o fato astrológico. Fu Lana nunca vai lidar bem com business, se continuar  preocupada com a lua?


O jeito é deixar ar as horas e fingir que não é com ela. Mas logo hoje, que está prestes a trocar de distribuidor? E a entrevista é justo na hora que o asteróide sai de rota, para voltar dias depois. Vai ver e ela escolherá errado ou não vai fechar a melhor opção. E não existe sonho maior para uma pequena e modesta editora do que um bom distribuidor. Até a lua influencia na hora de colocar os exemplares no mercado. A sensação de saber que seus livros estavam na prateleira quando alguém estava procurando não tem preço. Isto é, valem uns injustos reais, mas já dá para ficar feliz.


Em dias em que a lua fica fora de curso, seus autores ligam dizendo que não se encontraram nesta ou naquela loja. Uau! Seria bom desligar o telefone e trocar urgente de fornecedor, de ramo, de profissão. Como se fosse fácil. A choradeira da distribuição é grande. Há quem diga que quem ganha mais é a editora, mas tem neguinho atravessando o samba e oferecendo vinte por cento (!) para os coitados que não entendem do mercado. É o que dá ser autodidata. Levar na cabeça é a regra número um. E nunca visitar livrarias a negócios em dia em que a lua saiu do curso, a regra número dois. É fracasso, na certa.


Vendas sendo feitas, mesmo que em unidades esparsas, com a satisfação do consumidor, é tudo de bom. Fu Lana sonha com um sistema automatizado, tudo controlado. Mas, como? Trabalha sozinha, às voltas com as caixas, códigos de barra e notas fiscais. Outro dia, teve de perguntar ao livreiro qual era mesmo o preço que estava praticando para aquele livro. Fiasco.


Maldita lua. Só ameaçou sair de curso e Fu Lana já levou um chá de banco. Na livraria premiada pelo charme e carisma de suas instalações, ela faria uma venda de apenas dois dígitos de reais, mas a espera foi digna de um grande negócio. Enquanto isso, acomodou-se em uma poltrona macia (sempre quis fazer isso em uma livraria, com centenas de títulos à espreita) e deu de mão no livro "Entre aspas" do Dinho (Editora Globo). Lembrou de ter falado com ele duas ou três vezes. O rapaz era muito simpático. Os olhinhos mal abriam quando sorria. Parecia um desses gatos de estimação que a gente ouve o rom-rom de longe e, mesmo sem curtir bichanos, pensa em acariciá-lo. É claro que, tal qual todo o gato, ele esnoba à primeira menção de iração. É o senso de sobrevivência.


Abriu o trabalho na entrevista de Jean Luc Godard. Ele dava uma palhinha do que significava fazer cinema, na prática: você acorda de manhã, toma café e entre o acordar e o tomar café, pensa, sente, lembra, propõe. Você precisa, primeiro, descrever essa situação em um texto onde você preencherá o tempo entre o acordar e o tomar café com pensamentos que serão únicos. Incluirá o fato de que houve um ontem e haverá um amanhã, o que tornará a narrativa  mais abrangente. Depois, com algumas câmeras leves que existem hoje em dia, você transformará esse texto em imagens móveis e apresentará a filmagem a seus amigos, fazendo com que eles se sintam satisfeitos e dispostos em pagar dez dólares para ver o que você fez. Ao fim, você deve avaliar se poderá sobreviver com esse recurso.


Perfeito. Fu Lana fechou o livro e ficou pensando exatamente em como fazer livros dessa maneira.


O seu autor acorda e toma café. Produz uma narrativa pessoal e única. Você a um trabalhão danado para transformar aquilo em páginas e depois ará por quinhentas situações como aquela em que ela se encontrava naquele momento. Ao final de tudo, os consumidores teriam de encontrar seu livro (inclusive em cidades do interior) e ficarem dispostos a pagar alguns reais por ele, dos quais você vai sentir apenas o cheiro e o autor, então, uma presença imaterial e uma breve lembrança do que seriam estes recursos. Não é incrível? Somos todos heróis, os seres humanos. É muita criatividade para se manter vivo, atento e feliz em um dia em que a lua está especialmente fora de curso. Imagina se ela resolve entrar em curto?

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