Direto da Babel do Cinema

Quem, como eu, viveu mais tempo na “cozinha” de jornais e rádios, não pode deixar de assinalar a experiência que é viver o dia-a-dia …




Quem, como eu, viveu mais tempo na "cozinha" de jornais e rádios, não pode deixar de assinalar a experiência que é viver o dia-a-dia do que chamamos, no jargão jornalístico, a "cobertura" de um evento. No caso, cultural. Mais especificamente, o Festival de Cinema de Gramado.



Segundo a assessoria de imprensa, são 600 jornalistas de todo o mundo. Literalmente - veio até diretor, em pessoa, de jornal de Portugal para ver o que o frio, a garoa e a cerração da Serra Gaúcha fazem com quem se aventura a chegar a Gramado para ver os mais recentes títulos da indústria audiovisual. É, literalmente, uma babel de câmeras, microfones e, claro, gente, mais ou menos (em geral mais) atormentada com a busca e a entrega de informação. Afinal, nós, sujeitos e agentes da tal Comunicação Social, vivemos exatamente deste serviço de colheita e entrega a domicílio de notícias.



E haja notícias! Quem está em casa, diante da tv ou de ouvido no rádio, de longe sequer imagina o que é o estresse de repórteres, editores, produtores e toda uma equipe, que vai a campo e que também fica nas bases buscando colocar no ar, na hora certa, como um produto bem acabado, o que está acontecendo. Detalhe: este produto deve chegar ao consumidor de modo extremamente natural, sem qualquer vestígio de que existe um esforço intenso e ininterrupto para que as coisas saiam bem, que a linha não caia, que o computador não enlouqueça, que os cortes de luz não ocorram justo no momento em que a luz da câmera se acende. A apresentadora fica na rua, abaixo de chuva, com o casaco mais grosso até que ouve a ordem para entrar no ar e, imediatamente, tem de encarar o vazio, sorrindo, bem maquiada e com o texto na ponta da língua.



O repórter de rádio se refugia num canto, telefone no ouvido, tendo de abstrair a barulheira do coquetel ao lado para entrevistar uma séria autoridade cultural. As reuniões se repetem, as pautas mudam na última hora, o caos se instala e, como por milagre, a reportagem sai redonda,  enquadrada na medida, encerrada por um boa noite totalmente relax. Há um misterioso equilíbrio regendo este trabalho insano. Volta e meia, a ameaça de quebrar esta harmonia aparece e a tensão
se instala. Mas, com sua incrível capacidade de superar adversidades, este ser glamourizado quase sempre e compreendido nem sempre, o jornalista, cumpre seu dever. Depois, dependendo, vai ouvir elogios ou críticas. E, no
ano seguinte, estará novamente a postos, neste maluco serviço de delivery de informação que atravessa continentes e abastece do mais humilde sapateiro ao grande intelectual da hora com o precioso produto chamado informação.

Autor

Jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Maristela Bairros já atuou como redatora, repórter, editora e crítica de teatro nos principais diários de Porto Alegre, colaboradora de revistas do Centro do País e foi produtora e apresentadora nas rádios Gaúcha, Guaíba AM, Guaíba FM e Rádio da Universidade, assessora de imprensa da Secretaria de Estado da Cultura e da Fundação Cultural Piratini. É autora de dois livros: Paris para Quem Não Fala Francês e Chutando o Balde, o Livro dos Desaforos, ambos editados pela Artes & Ofícios.

Comments