Desfaçatez

O problema dos aeroportos brasileiros é apenas ser a bola da vez. Quando for resolvido, e o será, como sempre, com improvisos e jeitinhos, …

O problema dos aeroportos brasileiros é apenas ser a bola da vez. Quando for resolvido, e o será, como sempre, com improvisos e jeitinhos, jogos de cintura e quebradores de galho, virão outros, e outros, e outros, como os muitos que já ficaram lá para trás.


O que parece existir aí é a nossa absoluta falta de modéstia. Deus é brasileiro e somos todos seus maiores profetas. É a semente de tragédias como a da nova governadora do Rio Grande do Sul, que estava perdida em um beco sem saída, mesmo antes de assumir o Piratini, ou de comédias, como a do presidente da República, que agora promete comparar-se consigo mesmo, como se houvesse alguma utilidade em forçar a mão direita contra a mão esquerda, a não ser em antigos manuais de ginástica, hoje completamente fora de moda.


A desculpa mais calhorda desta crise do transporte aéreo é o crescimento da demanda. Terá sido o Brasil o único país do mundo em que a demanda por transporte aéreo cresceu ou onde mais ela cresceu? Terá acontecido da noite para o dia, tão inesperadamente como um tsunami que leva tudo de roldão?
O que desejavam os sucessivos governos que jamais planejaram o atendimento da multidão deslocada das rodoviárias para os aeroportos? Que não os usassem, mas apenas os mostrassem às crianças, nos eios de domingo, como monumentos nacionais, enquanto era contada a história gloriosa de Santos Dumont?


É muita desfaçatez discursar grandiloqüências para enfeitar a realidade. Cães e gatos de apartamento arranham o soalho, simulando esconder os dejetos sob uma camada fictícia de terra. Mas eles são apenas animais irracionais.  


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O que é a Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil, não se precisa dizer. Bastam trechos das primeiras informações adas aos jornais pelos auditores que tentam responsabilizar a TAM pela crise da aviação civil.


Segundo a Folha de S. Paulo, foi "excesso de ousadia" como se, por comparação, uma mulher pudesse estar excessivamente grávida. O que chama a atenção na arremetida contra a TAM é que repete a campanha para liquidação da Varig, como se a bruxa tivesse se trasladado de uma empresa a outra.


Os auditores, apesar de não terem feito ainda o levantamento, portanto sem dados concretos para afirmar o que quer que seja, acusam a TAM de overbooking, a venda de assentos acima da capacidade. Ou se trata de ignorância pura ou de malícia deslavada. O overbooking existe há muito tempo em todo o mundo, para prevenir perdas das empresas e poupar despesa adicional aos ageiros que se atrasam para os seus vôos. Nunca foi causa de balbúrdia como esta a que assistimos no Brasil.


O que paira no ar é uma pergunta: por que a investigação só se ocupa da TAM que hoje detém mais de 50% do mercado? Acaso a Gol, a menina dos olhos, o ai-jesus de José Dirceu, não faz overbooking e seus ageiros não sofrem, como os demais, o desconforto da bagunça dos aeroportos?


Ou será que a Gol nasceu filha amada, empelicada de capitais colombianos, enquanto as gatas borralheiras Varig e Transbrasil foram trucidadas pelos sucessivos governos, a partir de Zé Sarney, que inaugurou a lata do lixo onde jaz hoje o melhor da história deste país?


Terá chegado a vez da TAM?

Autor

Jayme Copstein é jornalista, com atividade em jornal e rádio desde 1943,com agens pelos principais veículos de Porto Alegre. Trabalhou 22 anos no Grupo RBS como apresentador de programas e comentarista de opinião da Rádio Gaúcha, e atualmente é colunista do jornal O Sul e apresentador do programa 'Paredão', na Rádio Pampa. Detentor de vários prêmios, entre eles, Medalha de Prata (2º lugar) no Festival Internacional do Rádio de Nova York (1995), em 1997 publicou "Notas Curiosas da Espécie Humana" (AGE). Seu livro mais recente é "A Ópera dos vivos", editado em janeiro de 2008.

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