Dentro de nós que o Ano Novo espera desde sempre

Por Márcia Martins

Já aqui em Butiá na casa de meu irmão, cunhada e afilhado Lucas, onde me desloquei mais cedo para emendar as festas de final de ano, fui surpreendida pelo aviso do povo do site de que o recesso começaria somente na quinta-feira, dia 23. Logo, precisava providenciar a coluna. Justamente num momento em que havia colocado minha inspiração de férias e por mais que eu insistisse ela não queria se manifestar. Afinal, confidenciou-me: "poxa, Marcinha, férias são férias, não ouse interromper o meu lazer" (no caso, de minha inspiração). 

Eis que me lembrei que se tratava da última coluna de 2021, um ano que só não foi pior que o anterior porque muitas pessoas conseguiram as doses de vacina contra a Covid-19 antes de morrerem e, apesar de imunizadas, persistem com os cuidados para evitar a doença do Coronavírus. Um ano em que os 12 meses pareceram 24 de tanta inquietação, tristeza, sofrimento e injustiça social. Um ano em que choramos as mortes iniciadas em 2020 por culpa da ineficácia de um Governo Federal que se mostrou totalmente incompetente na política nacional de vacinação contra a Covid. 

Por ser a coluna que finaliza o meu ano aqui no portal, entendi que talvez fosse de bom tom elencar aqueles desejos de ano novo, que tudo se realize no ano que vai nascer, muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender. E este item da saúde será em todas as minhas felicitações o mais falado, desejado, esperado e o mais importante. 

Não serei hipócrita para ignorar a relevância que a promessa de novos 12 meses significa na vida das pessoas. Não serei eu a do contra a dizer, na hora da virada, quando as taças tilintam com o líquido do espumante, que nada muda com a chegada de um Ano Novo. Longe de mim tirar a sensação de expectativa de dias melhores, enterrar a esperança de meses menos pesados, sabotar a crença de um 2022 mais equilibrado, mais fértil para a agricultura, mais potente para a economia, com mais vagas de empregos, menos violência contra as mulheres, menos balas perdidas e encontradas sempre nos corpos das vidas negras. 

Mas me invadiu a mente um poema do Carlos Drummond de Andrade, um dos meus poetas preferidos, intitulado "Receita de Ano Novo", que é lindo e muito verdadeiro ao falar sobre este peso colocado sempre no ano que irá se iniciar. Nele, Drummond reflete que não é preciso fazer lista de boas intenções para arquivá-las na gaveta, nem chorar arrependido pelas besteiras consumadas (e são tantas). E, principalmente, acreditar que por um decreto de esperança, a partir de janeiro as coisas mudem, e seja tudo claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações. 

O poeta sugere que para ganhar um Ano Novo que mereça este nome, nós precisamos merecê-lo, fazê-lo novo. Não é fácil, já antecipa Drummond, mas é preciso tentar e experimentar com consciência. Porque é dentro de nós que o Ano Novo cochila e espera desde sempre. Então, despertem!

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve agens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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