De parar o Júri
Por Renato Dornelles

Com quase 40 anos de Jornalismo, 10 no meio Audiovisual e, principalmente, quase 60 de vida, é natural que tenha muitas histórias para contar. Cheguei a iniciar uma série em minhas redes sociais. Por isso, algumas delas já são conhecidas por alguns e algumas. Mas aproveito este espaço aqui em Coletiva.net para recontá-las, certamente para um público mais amplo, bem como contar muitas outras. E tem para diferentes gêneros: comédia, drama, ação, policial... e com temas variados: esporte, polícia, justiça, política...
Tem, por exemplo, o relato de um drible que levei de um grande craque brasileiro em um Maracanã semilotado, o dia em que fui confundido com um famoso diretor de cinema e quando tremi, durante uma audiência, achando que uma testemunha me apontaria como autor de um crime grave.
Começo com uma história de início de carreira. Foi no distante 1988, quando participantes do motim ocorrido no Presídio Central no ano anterior (aliás, que marcou o início da Falange Gaúcha, primeira facção criminosa do RS), foram levados a Júri, em virtude das mortes ocorridas durante a rebelião.
Humberto Luciano Brás de Souza, conhecido como Carioca, era o líder do tráfico no Morro da Cruz, zona leste de Porto Alegre, então mais badalado e procurado ponto de venda de drogas no varejo, na cidade. Inegavelmente, era um cara simpático.
Eu já havia o entrevistado duas vezes. A primeira, quando, no início de 1987, meses antes do motim, ele fora preso em uma operação na qual policiais subiram o morro em um caminhão de mudanças, simularam uma pane no veículo e o surpreenderam. A segunda, na recaptura pós fuga com motim.
Um forte esquema de segurança foi montado para a realização do Júri, na época, no prédio que hoje abriga o Palácio da Justiça, na Praça da Matriz. Havia PMs do Batalhão de Choque, com armas pesadas por toda a volta. O receio era de que os comandados de Carioca fossem resgatá-lo.
Cheguei para a cobertura jornalística com o julgamento em andamento. Falava o promotor. O auditório do Júri era semelhante a estas salas de cinema de shopping, com a entrada na parte mais alta, enquanto que juiz, réu, jurados, promotor, advogado ficavam na parte mais baixa. A sala estava lotada.
Logo que entrei, Carioca me viu e reconheceu. Instintivamente, fez um sinal de positivo para me cumprimentar. Foi o suficiente para que o promotor interrompesse a acusação por alguns segundos, jurados, juiz, advogado me fitassem e toda assistência olhasse para trás. Certamente pensaram que o gesto de Carioca era o sinal para que seu bando atacasse. Encabulado, segui cabisbaixo até as primeiras cadeiras, enquanto que praticamente todos me acompanhavam com os olhos.