De onde mais se espera é que vem
No Palácio do Exército, antiga sede do Ministério do Exército, no Rio, o então Coronel Fiúza de Castro, chefe da repressão aos insurgentes contra …
No Palácio do Exército, antiga sede do Ministério do Exército, no Rio, o então Coronel Fiúza de Castro, chefe da repressão aos insurgentes contra o golpe militar de 1964, disse-me, pessoalmente, com certo orgulho profissional, haver técnicas de tortura que dispensavam o flagelo físico. Apesar do meu ado como repórter, a náusea bloqueou a solicitação dos detalhes.
Soube, mais tarde, que a tortura térmica fazia parte do processo: as vítimas eram colocadas em ambientes de frio inável. Mães detidas, cujos filhos também estavam detidos, recebiam a falsa informação que eles haviam sido assassinados.
Em seu livro, "Memórias do Esquecimento", o jornalista Flávio Tavares narra as torturas físicas sofridas por ele e companheiros nas dependências do Exército, no Rio.
No livro da Editora Literalis, "Sessenta e Quatro Para não esquecer", dez autores depõem sobre o golpe e as infâmias perpetradas pelas Forças Armadas a pretexto de defender uma democracia sobre a qual defecavam.
Na madrugada de 2 de abril de 1964, na iminência do golpe militar, Auro Soares de Moura Andrade, como presidente do Senado, fingindo ignorar que o presidente João Goulart estava em território brasileiro (Porto Alegre), declarou a vacância da Presidência da República e empossou Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara Federal, como o substituto constitucional de Jango. O golpe estava consumado naquela madrugada e, apesar de golpe, com o poder entregue a Mazzilli, o Brasil navegava de novo em águas constitucionais.
Com o afastamento de Goulart, os motivos alegados pelas forças armadas e lideranças civis para o golpe estavam absolutamente eliminados. O que não estava eliminado era a ganância de setores militares pelo poder, ganância essa que criou uma junta governativa paralela que, sete dias depois, dava um golpe no golpe e enfiava, goela adentro do país, o primeiro de muitos atos institucionais.
Comemorando o restabelecimento da democracia e da liberdade, em 15 de abril de 1964 os gananciosos empossavam o primeiro de cinco ditadores, marechal Humberto Castelo Branco, "eleito" por votação indireta. Para reforçar esses conceitos próprios de democracia e de liberdade, que dicionário algum jamais endossou, os libertadores cassaram mandatos, direitos políticos e prenderam dezenas de adversários.
João Baptista Aveline, jornalista recém-desaparecido, no livro da Literalis assim definiu esses tempos impossíveis de esquecer: "? em toda a nossa história, dois acontecimentos foram tristes: a escravatura que durou trezentos anos, e o Golpe Militar de 64, que durou 21 anos. Mas atrevo-me a afirmar que a crueldade e o requinte de perversidade dos golpistas de 1964 superaram o do senhores dos escravos".
No mesmo livro eu perguntava: "Quem "suicidou" o jornalista Wladimir Herzog? Quem "suicidou" o metalúrgico Manoel Filho? Quem desapareceu com Rubem Paiva? Quem torturou e enlouqueceu Frei Ivo? Quem seqüestrou a atriz Elizabeth Gaper e o marido? Quem arrancou as roupas de Marília Pera? Quem mandou explodir o Rio Centro?".
Acho que os assassinados, torturados e todos os vilipendiados por esses anos, nos quais cinco designados pelas forças armadas - todos do Exército - comandaram os anos de um Estado Assassino, não merecem a Ordem do Dia de 31 de março ado, assinada pelo general Francisco de Albuquerque, atual comandante do Exército, o mesmo que foi o pivô do recente episódio da carteirada para embarcar num vôo da TAM.
O texto, lido em todas as unidades do Exército, exalta o orgulho da corporação pelo seu ado e coloca o dedo na lepra moral dos 21 anos: "O 31 de Março insere-se na História da Pátria. (?) E é sob o prisma dos valores imutáveis da nossa força e da dinâmica conjuntural que o entendemos. É memória, dignificado à época pelo incontestável apoio popular".
Fosse o general um jovem e eu pediria ao ministro da Defesa que o inscrevesse num curso intensivo da História do Brasil. Face a idade, gostaria que esse Exército, que tanto o orgulha, fizesse com ele o mesmo que fez com o deputado Rubem Paiva.
Inté.