De liberdade

Por José Antonio Vieira da Cunha

Este Daniel Silveira... O cara conseguiu contribuir em muito para colocar lenha na fogueira dos atritos entre o bolsonarismo e os poderes constituídos. Suas provocações e desdobramentos são muito graves, gravíssimos, estando longe de ser simplificados como sendo uma disputa entre um parlamentar e um ou mais ministros do Supremo Tribunal Federal.

A Declaração dos Direitos Humanos e nossa Constituição contemplam a liberdade de expressão, assegurando a livre manifestação de opiniões, ideias, sentimentos e impressões. É um direito natural, e nós, de gerações do século ado, que lutamos tanto por liberdades, nos damos conta agora que esta não é exclusiva nem absoluta. Daí porque se considera inissível que a liberdade de expressão seja invocada para proteger crimes, entres eles o da disseminação dos discursos de ódio, de intolerância, de preconceito, estas manifestações degradantes que tentam dinamitar a democracia, poluindo o ambiente social.

A ação que levou à condenação do deputado por ampla maioria do STF teve origem em uma denúncia da Procuradoria Geral da República, não vamos esquecer deste detalhe importante. PGR que, por sua vez, levou em consideração manifestações do deputado inclusive em sessões da Câmara dos Deputados. Nelas pediu o fechamento da Suprema Corte e defendeu uma intervenção militar na istração da Nação, entre tantas declarações criminosas invocando inclusive o retorno do AI-5. O retorno do AI-5 (!), aquele ato institucional cruel e imoral que levou a cassações de mandatos, perseguições políticas impróprias e severas restrições à liberdade de expressão em todos os níveis - veja só a ironia do que este parlamentar defende. 

O desafio de avaliar os limites desta liberdade é que esteve na pauta do Supremo quando se debruçou sobre o caso Daniel Silveira, no final de abril. Pode alguém ameaçar autoridades e tentar impedir o exercício do Poder Judiciário, como também pregou o deputado federal petebista? Conclusão lógica: é inaceitável, já que o "direito" de atacar instituições e defender o fim da democracia certamente não tem espaço na figura da liberdade de expressão.

E, é bom lembrar também, estamos em uma sociedade em constante evolução, evolução que é ainda acelerada pelo universo de diferenciados meios colocados à nossa disposição graças aos novos formatos de comunicação. Se alguns anos atrás era inconcebível imaginar os fóruns para debate oferecidos pelos aplicativos e plataformas de redes sociais que proliferaram na década atual, o que se vê agora é seu uso servir para atacar adversários, estimular crimes, disseminar discursos de ódio.

E quem age assim, agredindo o bom senso, o respeito entre as pessoas e as próprias liberdades, batendo no peito como sinal de orgulho pelo posicionamento criminoso que adota, esta pessoa não merece perdão. Ah, não merece mesmo.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas agens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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