De fraudes e de animais
Só haverá democracia no dia em que tivermos voto a favor, voto contra e voto retroativo. (Millôr Fernandes) Até a revolução de 1930 ganhava …
Só haverá democracia no dia em que tivermos voto a favor, voto contra e voto retroativo.
(Millôr Fernandes)
Até a revolução de 1930 ganhava eleições, no Brasil, quem tivesse mais "coronéis" e mais "votos de cabresto". Como ser governo é mais cômodo que ser oposição, o poder era sempre o vencedor.
Nos primeiros 30 anos do século XX, houve um rodízio de presidentes mineiros e paulistas. Foi o período conhecido como o da política "café com leite", voltada para os interesses da economia do Sudeste.
A eleição de Júlio Prestes, mais um paulista para suceder Washington Luís, era o anúncio claro que a economia, face à crise de 1929, seria voltada para os interesses dos cafeicultores, o que não interessava a Minas. Era o fim do "café com leite", e a acusação de fraude eleitoral foi um dos motivos agitados pela Aliança Liberal para detonar a revolução de 1930.
Com a vitória da revolução e ascensão de Getúlio à presidência, as eleições de 1934, que o confirmaram no poder e preencheram os cargos legislativos, tiveram a aparência de corretas. Assim também foi, após o fim do Estado Novo, em 1945, com as eleições de Dutra, Getúlio, Juscelino e Jânio Quadros.
No processo de redemocratização iniciado pela ditadura militar, foram marcadas as eleições para governador dos estados brasileiros.
No Rio de Janeiro, em 1982, duas candidaturas para governador do Estado opunham Moreira Franco e Leonel Brizola, candidatos da direita e da esquerda. A apuração das eleições foi entregue a uma empresa - Proconsult - e diversas forças aliaram-se para fraudar o resultado, diante da iminente vitória de Brizola. Este, sabedor do que se tramava, por um participante da maracutaia que tentou vender informações, avisou a um ainda desconhecido militante do PDT - César Maia -, que acabou denunciando a tentativa e conseguiu abortar o golpe eleitoral. Brizola, em 1983, tomou posse no seu primeiro mandato como governador do Estado do Rio.
Os bem menos jovens, principalmente paulistas e cariocas, hão de se lembrar das eleições para a Câmara de Vereadores daquela capital, em 1959. Em setembro de 1958, ano anterior às eleições, quando da inauguração do zoológico paulistano, autoridades municipais cariocas, num gesto de gentileza, mandaram emprestado um imenso rinoceronte que, apesar do nome - Cacareco -, era fêmea. A população, de imediato, tomou-se de amores pelo animal e, logo, logo, ele virou uma celebridade com direito, inclusive, a freqüentar as colunas sociais: os cariocas exigiam sua volta e os paulistanos se recusavam a devolver o animal. Na campanha eleitoral do ano seguinte, período de plena caçada de votos dos candidatos à renovação da Câmara Municipal, a polêmica ainda ocupava a imprensa. E acabou acontecendo o inimaginável, fato inédito em todas as eleições republicanas: Cacareco obteve a maior votação para vereador de São Paulo, com cerca de 100 mil votos (a soma de votos dos candidatos do partido mais votado não chegou a 95 mil).
Havia um fato concreto por trás do inusitado. Um grande distrito da periferia paulistana - Osasco - não teve êxito no pleito para sua emancipação, e políticos revoltados mandaram imprimir centenas de milhares de cédulas com o nome Cacareco. Por outro lado, o prefeito Adhemar de Barros - aquele que apadrinhou o "rouba mas faz" - não era simpático ao eleitorado. No jornal Última Hora, do Rio e de São Paulo, pontificava Sérgio Porto, o famoso e cáustico Stanislaw Ponte Preta, que comentou que "diversos membros da cúpula do PSP (partido do Adhemar) andaram rondando a jaula de Cacareco, para o colocarem no lugar de Adhemar de Barros". Já o então presidente JK, prudente e mineiramente, declarava: "Não sou intérprete de acontecimentos sociais e políticos. Aguardo as interpretações do próprio povo".
Ainda mais celebrizado, ainda que não empossado, Cacareco voltou para o seu "antigo e virginal abrigo". A turma do Casseta & Planeta, em 1992, lançou um famoso morador do zôo carioca, o Macaco Tião, candidato a prefeito do Rio. Saiu-se bem o animal - com 9,5% de votos, chegou em terceiro lugar.
Quanto a Osasco, emancipou-se depois e é o pólo de mais seis municípios, os quais somam um milhão e meio de habitantes. Osasco chamou-se antes Quitaúna e foi lá que, dispensado do serviço militar por excesso de contingente, tornei-me reservista de 3ª categoria, muitas décadas antes de ser promovido a eleitor de 5ª categoria.
Inté.
