De Combray a Palermo
Por José Antônio Moraes de Oliveira


" A verdadeira história não é o que aconteceu;
é o que pensamos que aconteceu".
Jorge Luis Borges.
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Algumas semanas antes de sua morte, Jorge Luis Borges teve uma longa conversação com seu amigo Mario Vargas Llosa. Na ocasião, citou os autores que mais o incluenciaram e que estão presentes em seus poemas e contos. Citou Edgar Allan Poe, Joseph Conrad e Gilbert Keith Chesterton, mas, por estranho que pareça, omitiu Marcel Proust, de quem lera várias vezes - e no original - "Em Busca do Tempo Perdido".
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Para quem está familiarizado com a obra de Borges não será difícil identificar o tom proustiano em suas relembranças. Que às vezes assume um viés contraditório, ao falar do presente a um grupo de jovens:
"Se ainda não sabem, a vida é feita
apenas de momentos. Não percam o de agora".
Mas além de suas ofuscantes e perturbadoras citações, em muitos momentos, Borges retoma a mesma busca obsessiva de Proust. Foi o que Vargas Llosa testemunhou no encontro que tiveram no apartamento da Rua Maipú, em Buenos Aires. Ali Borges dizia não mais reconhecer sua cidade, evocando a juventude no antigo bairro de Palermo, onde viveu até 1914 na Calle Serrano. E recordando:
"Nasci na Rua Tucumán, quatro ou cinco quadras daqui.
Todo o bairro era de casas baixas com terraços, pátios, poços e campainhas de sinetas. E haviam tartarugas nos pátios para comer bichos: uma espécie de filtro vivo. A cidade mudou e eu também".
E proustianamente, como se falasse de sua Combray: "Nasci em outra cidade que também se chamava Buenos Aires".
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Os diálogos de Borges e Vargas Llosa permaneceram inéditos por muito tempo, até serem publicados em Medio siglo con Borges. Algumas das falas de Borges permanecem como sensíveis depoimentos sobre um tema recorrente - Memória e Esquecimento:
"Sobrevivemos por alguns frágeis anos, após a morte, na memória dos outros. Aquela memória pessoal, que a cada momento que a, está mais perto de desaparecer. As pessoas com as quais o enredo cativante da memória é tecido e que foram minha infância e juventude, se foram e são apenas fantasmas a caminho do esquecimento".
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De muitas maneiras e em muitas ocasiões, Jorge Luis Borges retorna a Marcel Proust, quando nos alerta que o ado é quase sempre uma elaboração do presente. E quando sentimos a memória pulsar, sem ter sido convidada, de imediato recriamos o ado, que acaba como uma reconstrução do presente que vivemos. As narrativas dos dois escritores coincidem, quando relacionam os fragmentos do ado a paisagens, sabores, perfumes, sons e texturas.
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Ao se despedir, no final da conversa, sendo mais Borges do que Proust:
"Como o tempo de memória vivida é tão curto, se pensarmos com sabedoria, já somos o esquecimento que seremos. Como aquela poeira elementar em que nos tornaremos sob o azul indiferente do céu".
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