Dê a volta na quadra

Por Fernando Puhllmann

"Cuidar dói, mas não cuidar, mata"

Fernando Puhllmann

A masculinidade tóxica mata. Mata sonhos, mata sentimentos, mata relações e mata pessoas. Literalmente! Pode parecer conversa de extremista, mas não é. Os números de feminicídios no País, e no mundo, me autorizam a afirmar isso categoricamente. Mas eu não estou aqui para falar sobre o quanto o machismo é nocivo, isso eu já escrevi algumas colunas atrás, isso várias pessoas já escreveram, e devo acrescentar que nunca é demais. Porém, hoje eu estou aqui, escrevendo para ti, porque temos um assunto ainda mais urgente para tratar: o machismo está matando uma geração de jovens e quem alimenta essa morte lenta e cruel é a internet.

Sim, a internet, tantas vezes defendida por mim e por milhares, dezenas ou centenas de milhares de pessoas, mundo afora, como uma ferramenta democrática de comunicação, também serve a forças ocultas e perversas, e essas forças podem, agora, neste exato momento, estarem influenciando a formação de percepção de mundo do teu filho e da tua filha. 

Aquele cantinho do quarto, que parece tão seguro, tão protegido, dentro da tua casa, sob os teus olhos, é, na verdade, um portal para o mundo, uma estrada que conduz a muitos caminhos, e alguns são terríveis.

Misoginia, machismo, racismo, pornografia, violência, bullying e tantas outras coisas que desprezamos, estão à disposição de nossos filhos a poucos cliques.

Em um álbum assustador, publicado pelo site contente.vc no Instagram, onde publicam um teste no TikTok feito por eles, encontramos esse trecho na descrição: 

"Meninos são alvos frequentes de ideologias misóginas (que pregam aversão ou desdém pelas mulheres) porque essas ideias são frequentemente disseminadas em ambientes onde eles am muito tempo, como fóruns online, grupos de jogos e redes sociais de caráter mais fechado.

As redes sociais, mais recentemente, também aram por uma onda de radicalização dos conteúdos machistas/masculinistas. Eles se apresentam como uma "resposta" ao feminismo que, nos termos desses "gurus", "prejudica os direitos dos homens".

Mas isso não vai chegar nessa linguagem para o seu filho, sobrinho, afilhado - o conteúdo é disfarçado de "humor", tem linguagem jovem, pega em feridas como rejeição e construção da autoestima masculina?

Ao ar as imagens do álbum, temos as postagens que chegaram ao perfil que eles criaram como se fossem um jovem de 16 anos. É assustador. Sem que seguissem nenhuma página que pregasse a misoginia ou ódio, o algoritimo da plataforma começou a entregar conteúdos que ridicularizavam mulheres, faziam apologia à violência e ao bullying. 

Mas por que o algoritmo faz isso? Porque ele é desenvolvido para entregar conteúdos que engajem o mais rápido possível e nada engaja mais que debochar dos outros, principalmente nessa faixa etária. Tu mandas, teus amigos riem, tu te sentes parte do todo e estás "pescado" por esse caminho.

Parece simples e raso, mas é exatamente assim. O maior medo de um guri de 13, 14, 15 anos é não fazer parte da turma dos mais populares, já vimos isso em filmes e séries e, para estar no meio do que eles entendem como a "turma legal", eles sacrificam muitas vezes suas ideias pessoais e, em casos extremos, as suas próprias vidas e de outros.

É triste, mas é real, está aí. Os famosos Red Pills (coaches de empoderamento masculino) estão por toda internet, dizendo ao teu filho que ele não consegue se relacionar com uma menina, simplesmente porque elas não se interessam por homens normais, só por outros meninos fortes, ricos ou bonitos. Então, ou eles se tornam isso, ou estarão fadados a ser um "incel" (um ser celibatário involuntário), desprezado pelas maléficas meninas que dominam o mundo pós surgimento do amaldiçoado feminismo. Só que, para se tornar isso, eles precisam odiar as meninas, desfazer dos mais fracos e ganhar dinheiro a qualquer custo. 

Eu, com mais de 50 anos, ainda convivo com pensamentos desse tipo em alguns grupos de WhatsApp e preciso ser o chato para desfazer frases de ódio travestidas de humor que recebo de amigos das antigas. Mas eu sou um homem adulto, independente, seguro da minha masculinidade e com uma autoestima muito bem construída pela minha família e pela vida, que consigo olhar nos olhos desses canalhas e repetir que isso é um absurdo, porém nem todo guri de 13 anos consegue fazer o mesmo. Lutar contra o sistema não é fácil, ainda mais um sistema que privilegia justamente os teus algozes.

Há sete anos, a Giovanna Alvarenga (minha sócia) e eu fomos convidados pela Prefeitura Municipal de Sobradinho para batermos um papo sobre segurança para jovens nas redes sociais com os profissionais das áreas de Educação e Saúde. Foi bem interessante, muita coisa do que apresentávamos parecia inédita para pessoas que teoricamente deveriam conhecer o dia a dia de crianças e jovens. Termos, siglas e comportamentos que estudamos para que possamos trabalhar com o que trabalhamos e que para eles eram novidades.

No encerramento, na parte das perguntas, uma professora me questionou o que eu faria para proteger o meu filho (se eu tivesse filhos humanos, mas não os tenho) da internet. Eu respondi: a mesma coisa que os meus pais fizeram quando eu era criança e que eu tenho certeza que a maioria dos pais dos que estão aqui também fizeram: cuidaria com quem eles estão se relacionando, o que estão escrevendo ou lendo, o que falam e como agem, onde vão e com quem vão. 

A internet é o mundo real no virtual, é o universo real expandido, não é outro mundo, é o mesmo, com os mesmos perigos, traições, violência e riscos que tínhamos há 40 anos, a única diferença é que antes o teu pai dava uma volta na quadra, olhava na cara dos teus amigos que estavam contigo sentados na esquina e depois te perguntava quem era aquele estranho que ele viu lá mais cedo e que não conhecia, ou te mandava para casa se tivesse alguém ali que ele não queria que tu convivesses. É isso. Todo pai precisa dar a volta na quadra do mundo virtual do filho, precisa olhar no olho dos amigos, entender quem são e o que estão fazendo ali.

Sim, estou defendendo que tu tenhas o aos aplicativos do teu filho, que tu olhes o que eles escrevem e leem, que tu sentes com eles e discuta o que consomem. É chato, trabalhoso, desgastante, mas é necessário, porque, se tu não fizeres, alguém vai fazer e, quando tu te deres conta, pode ser tarde. Muito tarde. E talvez só te sobre a chance de chorar sobre o ursinho de pelúcia que o teu filho dormia enquanto ele dorme em um presídio ou em uma fria cova.

Autor
Sócio-cofundador da Cuentos y Circo, Puhlmann é um dos principais especialistas em YouTube do país, com um olhar focado em possibilidades de faturamento na plataforma e uma larga experiência em relacionamento com grandes marcas do mercado de entretenimento. Além de diretor de Novos Negócios da CyC, tem também no seu currículo vários canais no país, entre eles o do escritor Augusto Cury, do Gov Eduardo Leite, Natália Beauty e do Grêmio FBPA, sempre atuando como responsável pela estratégia de crescimento orgânico dos canais. Já realizou palestras sobre a nova Comunicação juntamente com diretores do YouTube Brasil como a abertura do 28º SET Universitário da Famecos-PUCRS, o YouPIX/SP e o Workshop YouTube Gaming Porto Alegre. Desde 2013, Puhlmann ministra cursos, seminários e oficinas sobre YouTube, tendo mentorado mais de 30 canais nos últimos anos.

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