Cunhar palavras
Você sabia que as palavras não são apenas palavras? Que podemos até mesmo enxergá-las em movimento e que as utilizamos como quem pesca em …
Você sabia que as palavras não são apenas palavras? Que podemos até mesmo enxergá-las em movimento e que as utilizamos como quem pesca em um lago com o método mosca: dando laçadas rápidas e capturando-as em plena ação, utilizando-as como estilingues de nossas ideias? Os conceitos estão indo além das origens e, em um momento de reforma ortográfica, em que as pessoas am a tratar com mais cuidado das palavras, ou ao menos em como elas são escritas, é um momento ideal para Steven Pinker lançar suas iscas leves em pontas de linhas pesadas.
Pausa para esclarecimento: no ado, Fu Lana, quando irresponsável, ignorante e feliz, fumava cigarros Simedão, marca muito conhecida. Hoje, crescida para os lados, meio panaca mas metida à besta, lê os livros Simemprestam, e o que ela escolhe, na verdade, são os amigos, que alcançam a ela os livros mais adequados ao entendimento da contemporaneidade. Outro dia, um deles alcançou para a mocinha um exemplar coloridinho, capa preta, que a pobre imaginou tratar-se de pura filosofia. Sendo assim, namorou um certo tempo aquelas páginas e, em um domingo, quando dois terços da população falavam em futebol, foi para seu cantinho e encarou o tema: as palavras constituídas sobre novos significados, e em movimento.
Pinker faz o favor de dessamarrar a carga de etimologia das palavras. Ele aponta para a liberdade baseada na experiência de cada um. Explica, em algumas horas, o que a humanidade levou algumas décadas para praticar. Aponta a transformação lenta assumida pelos vocábulos e chama atenção para a crescente velocidade na invenção de metáforas. Quem está em alta são os profissionas de uma nova era: os cunhadores de palavras.
No Brasil, um dos iluminados, hoje, chama-se Evanildo Bechara e o Volp será o livro mais procurado de 2009. Sem ele, não saberemos se aquele que nasceu no Acre é acriano ou acreano, não poderemos saber o veredito sobre coerdeiro, palavra que, há alguns dias, nem professores conceituados, acostumados a esclarecer toda e qualquer dúvida, saberiam escrevê-la, pois dependeria do que diria o Bechara no Volp.
Segundo Pinker, as partículas gramaticais têm uma origem física: it significa uma coisa e uma situação; in denota que tempo é espaço; to é um movimento na direção de uma meta; e among diz que filiação é proximidade. Fu Lana pensava que seria ainda mais divertido conhecer um estudo como este feito sobre o idioma português, especialmente sobre a vertente brasileira.
Se expressar, que na verdade é extrair por pressão, é um trabalho de juntar alusões e alegorias, palavras não são mesmo apenas palavras. A essas alturas, depois que aprendera até a explicação para o termo "abobado da enchente", Fu Lana lembrou de alguém ter dito que estava de sangue doce. Apesar de ter entendido perfeitamente a situação que revelava o uso daquelas palavras, parou para pensar de onde saíra "sangue doce". Pensou em escrever ao professor Cláudio Moreno. Talvez tenha a ver com mosquitos ou com canibais diabéticos.
A leitura de "Do que é feito o pensamento", de Steven Pinker, (Companhia das Letras, 2008) mesmo que em uma leitura fulaniana (e ela se diverte ao imaginar os acadêmicos encaixando o conceito), é uma atividade instigante. E leitura ou a ser atividade desde que as palavras aram a ser partículas enlouquecidas que acendem e apagam, reluzem em sinapses, explodem em encontros de vocábulos e formam figuras. É mesmo muita atividade.
Para Pinker, a palavra é endêmica e as pessoas só discordam entre si porque enquadram um problema em metáforas diferentes. Tão simples. Mais simples do que isso só a lenda de Babel.
Com aquele exercício todo, Fu Lana, ao anoitecer do domingo, sorria, satisfeita por existirem os linguistas, os novos físicos que estudam os fenômenos da linguagem. Estava ainda mais faceirinha porque este cientista estaria em Aldeinhas, sua cidade preferida. O mundo é enorme e ele estaria
Dominar os prótons e os nêutrons da língua dá muito poder. Ainda mais que pensar, hoje, significa criar metáforas, tentando ligações ainda não feitas. Descobriu, então, por que destesta tanto as frases prontas. Explica Pinker: são metáforas fossilizadas. É preciso evitar chover no molhado.
Fu Lana resolveu que vai pensar com mais dedicação de agora