Croniconto: As meias eróticas
Por Flávio Dutra

Ela abominava o hábito dele de transar usando meias, mas mantinha a relação mesmo assim. Não importava se era inverno ou verão, ele sempre vestia os pés, como um fetiche, tanto assim que cuidava mais das meias que manteria do que das cuecas que despiria. Era a lógica que usava para justificar a reprovável mania. Afinal, a cueca não seria testemunha dos jogos sexuais, era descartável, sem importância na relação, enquanto a meia garantiria que seus pés ficariam aquecidos e, assim, ele se sentiria seguro e o desempenho estaria, digamos, em alta.
Dependendo da posição, ela se deparava com aquele par de meias, escondendo os pés e parecendo censurá-la pela libertinagem. Às vezes imaginava que seriam uma espécie de preservativos para os pés.Talvez ele fosse um pedólatra, que tentava esconder a preferência por esse fetiche. Só que ela não conseguia prestar atenção na variedade de modelos e padrões que o parceiro fazia a questão de apresentar a cada encontro, como uma forma de expressar o quanto valorizava aqueles momentos. Garante ter visto certa vez um par de meias que simulavam um sorriso debochado e outro que exibia uma língua comprida, como um Einstein fetichista. Os pés cobertos de meias estavam afetando a libido da moça, logo ela sempre tão disponível para qualquer forma de amor.
- Dá uma olhada nestas meias novas. Comprei hoje especialmente para esta ocasião,- deleitava-se ele.
O exemplar era de um par em azul e rosa, que pareciam refletir na semi escuridão do quarto do motel. A variedade de modelos era garantida por amigos que viajavam ao exterior e tinham como missão extra adquirir amostras as mais diferenciadas e exóticas possíveis. "Pago o que for preciso pelas novidades em meias", incentivava os viajantes.
"Podia ser pior, ele podia falar em carpim", consolava-se a parceira.
Mas ele não era tão antigo, embora a diferença de idade entre os dois fosse de pelo menos uma geração, o que o envaidecia e deixava ela incomodada quando o parceiro falava nessa diferença como se fosse apenas mérito dele a relação com uma parceira bem mais jovem.
O que ela não sabia é que cada par de meia que assistia às transas do casal eram zelosamente catalogadas e ava a ornar o que ele chamava de "Meu Meiódromo". Ele jamais repetia o mesmo par. Só que a obsessão dele era diretamente proporcional à rejeição dela ao desfile de meias, cada uma mais estranha do que a outra.
"As meias, ou eu!", ameaçou ela, certa noite, antes da transa. A reação dele foi de inconformismo e, como se já esperasse a atitude dela, logo ou a contar como nasceu a fixação por meias, na tentativa de contornar a situação adversa.
Resumindo, revelou que era traumatizado pela visão de pés desde que na primeira transa a garota se apresentou com pés tão feios, grandes demais, com joanetes protuberantes e dedos desproporcionais, que ele teve dificuldades de se concentrar na relação, que ficou inconclusa. Como é um sujeito empático - ainda é ele contando - imaginou o que pensariam as futuras parcerias sobre o formato dos pés dele e decidiu cortar o mal pela raiz, escondendo a base de seus membros locomotores. "Mas decidi fazer com arte, escolhendo meias que fossem glamorosas", acrescentou, reforçando sua justificativa. "Sem meias, posso não corresponder, como na primeira vez", emendou, usando um subterfúgio linguístico para o que conhecemos como brochada.
Ele foi sensível a argumentação dele e levantou a interdição que pretendia aplicar ao uso das meias, mas impôs uma condicionante:
- Pelo menos uma vez eu queria ver teus pés, uma vezinha só.
Como se fosse um adolescente se despindo pela primeira vez diante da namorada ele cumpriu envergonhado e de forma lenta a retirada das meias e quando o ritual estava concluído ouviu a sentença:
- Que horror, teus pés são terrivelmente feios! Veste logo essas meias e vamos ao que interessa.
Em segundos ele cumpriu a ordem, com a moral, digamos, já em alta para o que realmente interessava.