Crítica: um vácuo
Antônio Hohlfeldt, o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre deste ano, foi o convidado do Frente a Frente da última quinta-feira na …
Antônio Hohlfeldt, o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre deste ano, foi o convidado do Frente a Frente da última quinta-feira na TVERS. Um bate-papo absolutamente informal, já que o entrevistado não é dado aos cacoetes do academicismo ou do burocratismo oficial comum a muitos que mexem com literatura e cultura em geral e que, diante de uma câmera ou microfone, não resistem à tentação do brilho do ouro de tolo. Esta é uma das muitas razões pelas quais iro Antonio, meu contemporâneo de jornalismo cultural diário e que, como raros na atividade, conseguiu dar o salto para além da tabula rasa das matérias sem permanência.
Na época em que compartilhávamos o guarda-chuva da Caldas Jr, ele no Correio do Povo e eu na Folha da Manhã, ambos escrevendo sobre teatro (ele, claro, sobre muito mais), Antônio já mostrava, acima de tudo, uma força de trabalho fenomenal. Não faltava, por isso, coleguinha maldoso para chamá-lo de versão masculina da deusa hindu Shiva, aquela que tem muitos braços, porque ele conseguia dar conta de várias e diferenciadas pautas ao mesmo tempo, além de encher, rápida e competentemente, laudas e laudas, coisa que a geração de hoje, habituada ao máximo de 2 mil toques no computador, não faria, com certeza. Para não uma edição inteira sozinho, teve de adotar um pseudônimo: Antônio Campuoco.
Lembro disso tudo porque enviei, no final do Frente a Frente, já aflita com a ausência do tema, uma pergunta a Antônio sobre como ele se sentia sendo o único crítico teatral em atividade sem interrupção no Estado e a que ele atribuía o sumiço desta pensata tão importante na mídia impressa local. Sua resposta foi a que eu esperava: é incômodo ser a opinião única, solitária, sem contraponto, sem discussão, sem contestação. A época lembrada pelo agora patrono da Feira - época de que fiz parte, como ele mesmo assinalou - foi rica não só para os fazedores de cultura desta terra, mas, acima de tudo, para o jornalismo cultural, tão empobrecido hoje no dia-a-dia.
A nova visão editorial dos cadernos de variedades e cultura dos jornais simplesmente baniu a crítica sistemática de suas páginas, criando um vácuo perigoso no que toca ao indispensável pensamento crítico das manifestações culturais que sempre espelham e balizam a própria sociedade.
Merece, aqui, uma referência especial a Revista Aplauso, por bravamente continuar no mercado, representando um registro sólido do que ocorre na área, e a falta que faz a Porto & Vírgula, que a Secretaria Municipal da Cultura deve trazer de volta (sua última edição foi no final de 2006), talvez ainda este ano.
Mesmo que hoje já não exista um Yan Michalski falando com inconfundível conhecimento de causa sobre as artes cênicas como fazia, na década de 70, no Caderno B do Jornal do Brasil, ou um Décio de Almeida Prado com sua erudição que não impedia a leitura saborosa de seus textos, é condenável este formato "lazer, release e resenha" que se vê nos jornais, em especial os locais, nos cadernos ditos de variedades. Mudaram os tempos? É lógico. Pena que, para o jornalismo cultural, mudaram para pior.
Ainda bem que temos um Antônio Hohlfeldt segurando as pontas nas artes cênicas, todas as semanas, no Jornal do Comércio.