Coopítulo 86 - Histórias de rádio
Por José Vieira da Cunha

O exato início do jornalismo no rádio brasileiro começou de forma improvisada, com o diretor comentando as notícias do dia anterior publicadas pelos jornais. É o que registra a história: o Jornal da Manhã teria sido o primeiro programa jornalístico do rádio brasileiro, criado e apresentado pelo pioneiro Roquette Pinto, fundador e dono da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Corria o ano de 1923.
Não havia repórteres, não havia redatores; começava ali o famoso tesoura press. Alguém, nem sempre jornalista, recortava dos diários as notícias que soavam mais interessantes, colava o recorte em uma folha de papel e a entregava ao locutor. Tudo muito simples, muito direto, sem intermediários entre a notícia publicada no jornal e sua leitura ao microfone.
No nosso meio, mostrava o Coojornal, quase 100 anos depois o cenário entre as emissoras porto-alegrenses era fiel ao praticado pelo pioneiro Roquette Pinto. Com exceção de cinco consideradas "grandes", que tinham um departamento de jornalismo estruturado e formalizado, todas as demais que tinham noticiosos aplicavam a fórmula universal do copia e cola. As emissoras usavam sem constrangimento o método consagrado pela tesoura na elaboração de seus noticiários, atropelando a característica essencial do rádio, isto é, a transmissão imediata dos acontecimentos. Em vez de novidades, traziam as velhidades, isto é, as "últimas" do dia anterior estampadas nos impressos.
Apesar destes exemplos de amadorismo, o radiojornalismo praticado como exige a cartilha era muito dinâmico e ágil. Ali por meados de 1976, a Rádio Guaíba ousou investir sobre dois profissionais que figuravam entre as estrelas da Gaúcha, o rádio repórter Edgar Schmidt e o editor de notícias Tairo Arrial.
Faço um parêntese aqui. O Tairo conheci superficialmente, mas Edgar já era um velho amigo: ambos iniciamos nossa carreira ao mesmo tempo na então prestigiada ZYF-4, a Rádio Cachoeira, em nossa cidade natal que deu o nome à emissora. Tinha uma leve gagueira, acho que fruto de uma certa insegurança, mas na frente do microfone se superava com sua voz poderosa. No dia a dia, era um colega de caráter exemplar, daqueles sempre dispostos a ajudar.
Eu dirigia o Coletiva.net quando, no final da manhã de um domingo, 13 de janeiro de 2013, Edgar me ligou para dar um furo: no dia seguinte apresentaria sua demissão na Rádio Guaíba, onde era respeitado comentarista de futebol, para se transferir imediatamente para Curitiba, onde assumiria a direção geral da Rádio CAP, emissora web do Clube Atlético Paranaense. Garantiu-me que dava aquele salto com muita confiança e expectativa e dele não tinha por que se arrepender. No meio da tarde, voltou a ligar para dar mais detalhes e enfatizar que fazia questão de ver a notícia publicada no portal antes mesmo de ele chegar à emissora. Evidente que a informação estourou como uma bomba entre colegas e a direção do Grupo Record, mas o custo foi o mais caro possível. No sábado seguinte, 19, sofreu um AVC que teria sido provocado por um quadro de profunda leucemia. Nunca mais se recuperaria da lesão, que inclusive o deixou sem voz, sua ferramenta essencial no trabalho. Morreu sete anos depois, aos 70 anos. Fecha o parêntese.
Edgar e Tairo foram contratados pela Guaíba dentro de um ambicioso plano para ter repórteres presentes no local dos fatos. A emissora investiu adquirindo seis unidades móveis, mas, na sua histórica postura conservadora, não previa a intervenção direta da reportagem durante os noticiários. Os repórteres deveriam detalhar as informações a um redator, que redigiria a notícia final, dentro de uma concepção perseguida pela Guaíba, segundo a qual com isso seria assegurada a sobriedade de sua programação.
Naqueles anos, há cinco décadas, o sistema de remuneração da categoria dos jornalistas soaria pré-histórico hoje. E só mesmo o Coojornal poderia produzir o debate sobre a situação dos profissionais contratados para mais de um veículo, sem nenhum impacto adicional ao salário mensal. Nas redes de emissoras esta situação era muito comum, com contratos estabelecendo que os funcionários trabalhassem para mais de um veículo ao mesmo tempo, sem aumento salarial correspondente nem qualquer outro pagamento a título de direito autoral ou de imagem.
O Correspondente Gboex, principal noticioso da Rádio Gaúcha, era retransmitido por outras emissoras do grupo RBS - na época, Metrópole e Porto Alegre. Com a voz marcante e inconfundível de José Aldair Nidejelski, que foi o seu apresentador por mais de três de décadas e nos deixou na semana ada, aos 79 anos, o noticioso rivalizava com o Correspondente Renner, este apresentado por outro talento dono de voz marcante, Milton Ferretti Jung.