Coopítulo 74 - Os Tupamaros abrem a alma

Por José Antonio Vieira da Cunha

Um dia chegou ao conhecimento da redação do Coojornal um telegrama confidencial do SNI pedindo investigação sobre um suposto relacionamento da Cooperativa dos Jornalistas com os Tupamaros, o movimento guerrilheiro marxista-leninista uruguaio, originalmente denominado Movimento de Liberação Nacional. O estopim fora a reportagem de capa publicada em novembro de 1978, com a expressão Ex-Tupamaros em letras garrafais, acima da manchete reveladora: Depoimento Exclusivo: Acabou a Guerrilha! Foi mais um desconforto para o regime militar, porque identificou ali uma exaltação à guerrilha quando, impressa naquelas páginas, estava a manifestação expressa de quatro integrantes da cúpula do movimento guerrilheiro mais famoso da América Latina de que estavam jogando a toalha e abandonando a luta. 

Muito atuantes nas décadas de 1960 e 1970 num embate feroz durante os anos de chumbo no Uruguai, rompiam ali um silêncio de quatro anos, período em que se recusaram a falar a jornalistas de todo o mundo. E abriram aquela estrondosa exceção para nossa associada Zélia Leal, jornalista que iniciara sua carreira nas redações de Porto Alegre e vivia há anos em Paris, onde foi dada a entrevista.

A conversa com Zélia durou cinco horas, mas mesmo assim nem todas as perguntas foram respondidas porque muitas feridas ainda estavam abertas, como disseram os entrevistados. No entanto, o conteúdo da conversa era suficiente para provocar surpresa e frustração, escreveu a repórter:

- Surpresa para quem esperava o anúncio de novas ofensivas revolucionárias. Frustração para os defensores da luta armada que verão os temíveis Tupas falando de eleições e democracia como velhas raposas políticas.

O trabalho publicado com exclusividade no Coojornal registra que os Tupas viviam, então, residindo em diferentes subúrbios de capitais como Londres, Paris, Estocolmo, Bruxelas, Genebra e Amsterdam. Considerados perigosíssimos, eram jovens, com idades em torno dos 30 anos, formavam casais estáveis e quase todos eram bolsistas em respeitadas universidades europeias. Zélia conviveu com eles na França, na Bélgica e na Holanda, e do longo encontro extraiu a bomba:

- Hoje, fazem questão de se dizer ex-Tupamaros, pois estão revisando o ado e planejando voltar ao Uruguai.

Haviam sido temidos e respeitados ao mesmo tempo. Temidos pelo regime, ao promover assaltos a bancos e grandes empresas e sequestrar autoridades em busca de resgate. Respeitados e até vistos com simpatias por boa parte da população uruguaia, descontente com os malfeitos da repressão política. O movimento fora criado no início dos anos 60 com o nome homenageando o chefe inca Tupac Amaru, revolucionário peruano que lutara contra a invasão espanhola em meados do século 18.

Fantasiando ler nas entrelinhas o que elas não continham, agentes do SNI acusaram a cooperativa de ser financiada pelo movimento guerrilheiro. Nos bastidores de uma ditadura, difícil é saber o que é fato, o que é boato, o que é intriga, daí porque a Cooperativa dos Jornalistas foi alvo fácil para este tipo de distorção, vista sempre como inimiga do regime, um covil de esquerdistas, muitos deles comunistas, na avaliação precária dos agentes policiais. Uma confidência da viúva de um militar, mãe de uma associada da cooperativa, acionou o alerta: nos corredores da repressão corriam soltas versões sobre uma suposta ligação política que a Coojornal teria com os Tupamaros e também com os Montoneros, este um grupo de guerrilha armada na Argentina. 

Sem espaço na imprensa brasileira, estes grupos procuravam meios alternativos para levar ao vizinho Brasil informações sobre a guerra interna que travavam contra as ditaduras no Uruguai e na Argentina. O Coojornal, por seu prestígio e circulação nacional junto a um público leitor influente, foi logo identificado como um canal eficaz para levar esta história adiante, razão pela qual concediam entrevistas e matérias que tinham como efeito colateral atiçar as suspeitas da repressão brasileira.

Autor
José Antonio Vieira da Cunha atuou e dirigiu os principais veículos de Comunicação do Estado, da extinta Folha da Manhã à Coletiva Comunicação e à agência Moove. Entre eles estão a RBS TV, o Coojornal e sua Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, da qual foi um dos fundadores e seu primeiro presidente, o Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, a Revista Amanhã e o Correio do Povo, onde foi editor e secretário de Redação. Ainda tem duas agens importantes na área pública: foi secretário de Comunicação do governo do Estado (1987 a 1989) e presidente da TVE (1995 a 1999). Casado há 50 anos com Eliete Vieira da Cunha, é pai de Rodrigo e Bruno e tem cinco netos. E-mail para contato: [email protected]

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