Coopítulo 60 - Um Ano Econômico (II)
Por José Antonio Vieira da Cunha

No ano seguinte, 1980, os governantes do Rio Grande eram os mesmos, mas a segunda edição do Ano Econômico só teria na mesa principal do ato de lançamento o vice Otávio Germano. Na última hora viera a informação de que o governador do Estado, o presidente da Assembleia Legislativa, o presidente do Tribunal de Justiça e cerca de três dezenas de empresários e dirigentes das entidades, inclusive da anfitriã, não compareceriam porque foram chamados para uma "reunião importante" no QG do III Exército.
O comandante da época fez questão de fazer sua convocação - era um convite, mas naqueles tempos... - no mesmo dia e horário para esvaziar o evento da Coojornal, ao mesmo tempo em que, e esta era a motivação principal, alertaria autoridades e empresários, inclusive os da comunicação, sob os perigos da infiltração comunista na imprensa e na sociedade brasileira. A decepção com a notícia sobre a ausência das autoridades convidadas por nós se transformou em indignação quando soubemos das razões da realização daquele encontro no quartel. A repressão seguia ampliando o cerco ao trabalho da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre.
Se na sede da Federasul ocorria um ato de exaltação a um trabalho jornalístico, no salão do QG do III Exército cometia-se um atentado à liberdade de expressão e de reunião. Ali o cardápio soou amargo para muitos dos presentes e incluía uma manifestação do empresário Alexandre von Baumgarten, novo proprietário da revista O Cruzeiro, que naqueles tempos usufruía ainda um resquício da importância que teve na metade do século como revista semanal de informações e variedades. Apresentado como jornalista e escritor, recebeu as honras e elogios do militar, que apresentou a revista como exemplo de publicação confiável, a merecer o apoio dos empresários gaúchos.
Contei em outra coluna que o comandante do III Exército, general Antônio Bandeira, discorreu sobre os perigos representados pela infiltração comunista nos veículos de comunicação, inclusive nos de vocês, disse, dirigindo-se aos empresários dos dois maiores grupos de comunicação na época, Breno Caldas, da Companhia Jornalística Caldas Jr., e Maurício Sirotsky Sobrinho, do Grupo RBS. Maurício teria tido a coragem de levantar-se e dizer que não concordava com a imputação de esquerdismo a seu jornal, a Zero Hora, e se retiraria do recinto. Ato contínuo, Breno Caldas levantou-se, e, lacônico como sempre foi, disse que eram suas as palavras ditas por Maurício. E retirou-se também.
(E quem era o sr. Alexandre von Baumgarten? Um ex-agente do Serviço Nacional de Informações, o coração da repressão da ditadura militar. A revista deixara de circular em 1975, e o arrivista tentou relançá-la como uma ferramenta de loas à ditadura. Pouco mais de dois anos depois, em outubro de 1982, ele, a esposa Janete Hansen e o barqueiro Manoel Valente foram sequestrados no centro do Rio de Janeiro e executados em alto-mar. A esposa e o barqueiro nunca mais foram encontrados; apareceu apenas o corpo do empresário, com três tiros na cabeça e um no abdômen.)
De qualquer forma, ao meio-dia daquele dia a Federasul realizava mais uma de suas concorridas reuniões-almoço, desta vez tendo como destaque o lançamento da segunda edição do Ano Econômico. O presidente Ênio Verlangieri fez a saudação de praxe, aplaudindo a iniciativa pioneira, e eu, enquanto presidente da Cooperativa dos Jornalistas, ressaltei a essência do trabalho que apresentávamos:
- Nós acreditamos que a informação é fator essencial em qualquer processo de desenvolvimento econômico e social. É a informação que nos dá a noção da realidade em que vivemos, que mostra a extensão e a profundidade dos nossos problemas, e é ela que nos encaminha às soluções e nos dá condições de avaliar o acerto ou o erro das soluções adotadas. Sem informações abundantes e confiáveis que nos permitem ver todos os lados de cada questão, não chegaremos sequer a ter uma consciência exata da gravidade dos desafios que temos que enfrentar, quanto mais chegar a superá-los.
Nossa crença estava centrada no papel positivo que a comunicação e a informação podem ter numa sociedade como a nossa. E foi esta crença que animou o grupo de jornalistas, alguns recém-saídos das escolas, a unir-se em torno da ideia de organizar uma cooperativa. Perseguiam objetivos básicos: de um lado, o aperfeiçoamento profissional do jornalista, do profissional especializado na difusão de informações; de outro, desenvolver projetos jornalísticos que pudessem ampliar e diversificar o fluxo de informações dentro do processo de comunicação.
No discurso, alertei para o fato de que o processo de comunicação e a troca de informações não se verificam apenas através de veículos impressos, nem das análises técnicas difundidas por qualquer tipo de veículo. Também a troca de experiências, a discussão dos problemas, o debate, a comunicação interpessoal são elementos ricos para o conhecimento da realidade dos problemas de todos nós. Escorado nestas premissas, o presidente da Coojornal foi além e ousou sugerir a realização de um encontro anual reunindo empresários, autoridades, sindicatos e todos os agentes da economia gaúcha. Considerávamos o momento oportuno, "uma rara oportunidade para que todos os agentes da economia gaúcha, reunidos, debatessem e analisassem os rumos do desenvolvimento regional. "Fica a nossa sugestão e nosso muito obrigado", foi a última frase da manifestação.