Coopítulo 45 - Nos anais da ditadura (III)
Por José Antonio Vieira da Cunha

Tem mais no relatório do Serviço Nacional de Informações que analisa o posicionamento do que a Censura Federal considerava os principais jornais da época, contemplando Correio do Povo, Folha da Manhã, Folha da Tarde, Jornal do Comércio, Zero Hora e o Coojornal, o único sem periodicidade diária. Está registrado como "órgão de imprensa 'ALTERNATIVA'", assim mesmo, tudo em caixa alta. "Acompanhamento da atuação da imprensa do RS" é o nome do relatório que, como visto, está repleto de desinformações e preconceitos abraçados pelos agentes policiais no final dos anos 70.
Além da conceituação dos seis jornais, o documento de 11 páginas se dedica também a apresentar uma "análise sintética sobre os principais dirigentes e articulistas". A avaliação dos vigilantes censores começa pelo Correio do Povo, com seu proprietário Breno Caldas sendo citado como o responsável pela linha editorial. Sérgio da Costa Franco, autor de um artigo diário, é visto com tendência oposicionista mas com apreciações em defesa do regime democrático; Antônio Hohlfeldt, crítico de Literatura, é citado por artigos com constantes críticas à censura e à falta de liberdade de expressão; e para Ivo Stigger, crítico de Cinema, sobra "acusação" por promover filmes do Cinema Novo e contestar a censura brasileira.
Na Folha da Tarde, os diretores Manoel Albuquerque e Edmundo Soares são referenciados como sem "antecedentes desabonadores"; a cronista Ivete Brandalise não recebe aplausos porque trata com ironias e critica as medidas governamentais; o cronista Sérgio Jockymann escreveria "com bastante realismo e imparcialidade, seguindo linha política democrática liberal"; e o secretário de Redação Adil Borges Fortes, que assinava uma coluna diária com o pseudônimo Hilário Honório, é aplaudido com louvor. Sua ficha é positiva: "Elemento integrado ao Regime Revolucionário de 31 MAR 64; anti-comunista; em seus artigos combate as ações e manifestações das organizações 'esquerdistas'. Ao mesmo tempo, faz propaganda do Governo e de suas obras". Amigão melhor, impossível.
Na Folha da Manhã, o diretor Francisco Antonio, o Tonho, filho de Breno Caldas, é criticado por um "desempenho ineficiente ou omisso ao deixar que aquele jornal paute pela oposição sistemática ao Governo e ao Regime atual". Janer Cristaldo é um articulista que "frequentemente critica a situação de grupos e organizações 'esquerdistas'"; Tuio Becker faz oposição ao governo em suas análises sobre Cinema; Rogério Mendelski é articulista de política que faz comentários com uma linha política favorável à oposição; e Núbia Silveira segue linha esquerdista com condenações aos Estados Unidos e aos regimes militares latino-americanos.
Zero Hora ganha o laurel de maior número de menções, 14. Seu proprietário, Maurício Sirotisky Sobrinho, é apresentado como "elemento de grande influência nos órgãos de imprensa do RS", e, embora mantenha "uma linha editorial favorável ao Governo", tem na redação muitos jornalistas "de oposição ao Regime". O diretor de Redação Lauro Schirmer "tem antecedentes desabonadores por sua militância no Partido Comunista Brasileiro". E é malhado por permitir a impressão de diversas publicações para terceiros, "entre as quais o Coojornal, que se caracterizam pela forte oposição ao Governo e ao Regime". Carlos Fehlberg, o editor-chefe, é lembrado por ter sido assessor de imprensa do general Médici, e ao mesmo tempo é poupado: "não existem dados" sobre sua atuação na ZH.
Por suas atuações neste diário, Jorge Alberto Mendes Ribeiro e Ana Amélia Lemos são mencionados de forma neutra, por não fazerem críticas aos governantes de plantão. Cândido Norberto, Luis Fernando Verissimo, Jandira César, Danilo Ucha, José Paulo Bisol, Affonso Ritter, Remi Baldasso, Élio Falcão Vieira e Carlos Alberto Kolecza são os demais citados, todos rotulados de "esquerdistas".
O Jornal do Comércio é visto como um verdadeiro céu de brigadeiro para os governistas, a começar por sua diretora-presidente, Zaida Jarros, devidamente louvada por conduzir o JC "dentro de uma linha bastante favorável ao Governo". Idem para os colunistas Ayrton da Silva Fagundes e Manoel Braga Gastal, mas Marco Antonio Birnfeld decepciona por ataques frequentes "à atual política do Governo".
E assim se faz a História, com suas versões que se adaptam a todos os matizes. Uma peça equivocada e constrangedora como este relatório oficial é mais uma demonstração explícita de que não podemos perder nunca as referências do bom Jornalismo.