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Peço à musa do improvisoQue me dê inspiração,Ciência e sabedoria,Inteligência e razão,Peço que Deus que me protejaPara falar de uma igrejaQue comete aberração. (Início …

Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.


(Início do cordel "A Excomunhão da Vítima", de Miguezim de Princesa, com o meu obrigado a Michele Freitas Benkendorf)


Recebo sempre alguns e-mails referentes às minhas crônicas semanais e - quase sempre - endossando opiniões, dando exemplos ou contando casos paralelos.


Minha última crônica sobre o aborto da menina pernambucana estuprada e a excomunhão de sua mãe por consentir e os médicos por executar deve haver mexido com uma colmeia, tamanho o enxame de e-mails recebidos. Quase a totalidade "excomungando" o arcebispo de Olinda e Recife da condição humana. Outros, indignados, também querem ser excomungados por solidariedade aos envolvidos ou por terem sido batizados sem prévia consulta. Exceção do meu grande amigo (há mais de 60 anos) José Carlos Pellegrino, que, provando sua condição de cristão, pede indulgência para com a triste figura, alegando que o mesmo está gagá.


Interessante notar que os e-mails vieram de católicos, agnósticos, ateus e religiosos que não comungam com o Vaticano e mesmo o Pellegrino fiscorda da tão comentada excomunhão.


Recebi de três leitores um discurso de Barack Obama, ainda candidato e proferido dentro de uma igreja cristã. Nunca havia visto e ouvido o hoje presidente dos EUA e fiquei impressionado com as qualidades de sua oratória, distante da forma tradicional dos comícios, sem apelos demagógicos ou emocionais. Postura de bom professor que busca a compreensão e racionalização dos temas propostos.


Ao elogiar a forma do discurso do candidato, na minha condição de ex- ghost writer de grandes personalidades, considero um bom profissional aquele que consegue dar clareza e fácil intelecção às ideias de quem fala ou assina o texto. No caso, forma e conteúdo se unem num discurso no qual fica clara a distinção que Obama faz entre Estado e Religião, uma postura em que a visão democrática atropela vícios de uma parte da sociedade que vive e defende conceitos desde há muito superados.


Trecho inicial:


"Dada a crescente diversidade das populações dos Estados Unidos, os perigos do sectarismo estão maiores do que nunca. O que quer que nós já tenhamos sido, nós não somos mais uma nação cristã. Pelo menos não somente. Nós somos também uma nação judaica, uma nação muçulmana, uma nação budista, uma nação hindu e uma nação de incrédulos?".


Pergunta Obama, referindo-se às visões opostas ou diferentes dos cristãos americanos: "?Se nós tivéssemos apenas cristãos entre nós, se expulsássemos todos os não-cristãos dos Estados Unidos da América, o cristianismo de quem nós ensinaríamos nas escolas??"


Sobre o aborto e o Estado: "Eu posso ser contrário ao aborto por razões religiosas, por exemplo, mas se eu pretendo aprovar uma lei proibindo a prática, eu não posso simplesmente recorrer aos ensinamentos da minha igreja ou invocar a vontade divina; eu terei que explicar por que o aborto viola algum princípio que é ível às pessoas de todas as fés, incluindo aqueles sem fé alguma?".


Ele mesmo considera sua posição como de "difícil aceitação para alguns que acreditam na infalibilidade da Bíblia, como muitos evangélicos acreditam, mas, numa sociedade pluralista, não temos escolha".


Confesso que fiquei surpreso com o desassombro inédito dessa postura política de um candidato norte-americano. Posição que não é só do Obama, mas que não tem sido defendida (ou atacada) por seus colegas politicamente ambiciosos. Religião é assunto que a quase totalidade dos políticos daquele país prefere dar uma de avestruz. 


Não sou ingênuo e sei que há por trás de tudo um trabalho de marketing e de sua ferramenta, no caso, compulsória: pesquisa de opinião. Mas nem por isso deixa de ser corajoso o anúncio antecipado de como pretende agir face a um assunto - religião - de forte presença na cultura dos EUA. 


Essa postura de Obama contraria o arcebispo gagá Dom José Cardoso Sobrinho anunciando a excomunhão - de acordo com o Código Canônico de sua Igreja - dos envolvidos naquele aborto. O arcebispo queria notoriedade ou se esqueceu do Código Canônico?


O aborto, de acordo com o Código, é um dos casos em que a excomunhão é automática. E ao afirmar que "a lei de Deus está acima de qualquer lei humana", precisaria receber uma aula de Obama sobre a diferença entre Estado e Igreja, seja essa igreja qualquer igreja.


Quando o Arcebispo, respondendo ao apoio do Lula aos médicos, disse que ele procurasse um teólogo, caso acontecesse, teria que engolir um conselho amargo:


- Senhor redundante, o senhor excomungou quem já estava excomungado.  


Por mim, se ele estiver mesmo gagá, recebe indulgência plena, mas confesso que fiquei assustado, pois sou dois anos mais velho que o arcebispo.


Se este texto aqui é de um gagá, é de um gagá educado.


Desculpe-me.


Inté.


Serviço: se você quiser ouvir o discurso com legendas em português (cerca de 5 minutos) ou ler o texto, estão na Internet. Se quiser que eu envie, [email protected]

Autor
Mario de Almeida é jornalista, publicitário e escritor.

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