Confissões de um traidor

Ganho uns trocados com tradução do espanhol.  É irônico, porque tenho a maior dificuldade com as línguas, começando com o português. Daí, na hora …

Ganho uns trocados com tradução do espanhol.  É irônico, porque tenho a maior dificuldade com as línguas, começando com o português. Daí, na hora de traduzir - escrever também, é bom que se diga -, eu suspeito das palavras mais inocentes: cutuco-as de longe com uma vara pra ver a reação. Se rosnam ou mordem, dou um jeito de me aproximar. Mas se elas se atiram de costas, com suspiros e as patas pra cima, à espera de festinhas na barriga, não tenho dúvida: baixo o cacete. Não há nada pior que palavras muito oferecidas.



A braguilha & a psicanálise



As mulheres reclamam, com toda a razão, da mania dos homens de coçarem o saco em público, ou de ajeitarem a posição do tico. Homens, uma vírgula. Mania dos brasileiros. Segundo Aldous Huxley, somos "um povo jovem testando manualmente a própria virilidade". Pode ser. Mas hoje acordei mais freudiano que o Analista de Bagé. Vai daí, fiquei matutando: por trás do gesto não estará o famoso medo de castração? O camaradinha tem de conferir, de tanto em tanto, se o treco está lá mesmo. Mas, claro, há outras explicações mais complexas, como sarna e falta de educação.  



Justiça sem limites



Às vezes assisto a algum episódio dessa série. Tem um humor muito exagerado, mas às vezes acertam na mosca. Esses dias, topei com este excelente diálogo:



            - Você não tem medo de morrer sem que ninguém te conheça realmente?



            - Não quero que me conheçam. Quero que acreditem na minha versão.



Bomba atômica



 Ministro francês disse que um Irã com a bomba atômica é altamente inaceitável. Concordo. Acho que todo país - França, EUA, Rússia, Israel, etc. - com a bomba atômica é altamente inaceitável. Está assim de gananciosos, loucos e idiotas se elegendo por aí.



Sei, sei, uma posição adolescente num senhor de barbas brancas. O diabo é que estamos como estamos por causa das posições dos senhores de barbas brancas, não por causa da inexperiência, digo, idealismo dos adolescentes.



Folguedos acadêmicos 1



Um ensaio de duas professoras espanholas, do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Barcelona, sobre como escrever textos científicos começa com uma terrível revelação: a escrita de textos científicos no contexto universitário implica atividades de escrita. Ignorante dessa verdade, desperdicei uma carreira científica certamente brilhante e rendosa. É, eu pensava que a escrita de textos científicos no contexto universitário implicava apenas no recebimento das tábuas de Deus com os segredos da natureza listados tintim por tintim. Essas mesmas mestras afirmam, com a mesma contundência, que a gente lê e escreve lendo e escrevendo. Fascinante, como diria Mister Spock.



Folguedos acadêmicos 2



Essas mesmas mestras dizem que se nos chateamos com um texto acadêmico talvez seja porque não sabemos por que o lemos, ou estejamos compreendendo superficialmente, ou o texto seja muito difícil, ou estamos preocupados com outras coisas. Sim, claro, mas como elas não pensaram na hipótese mais evidente: nos chateamos porque o texto é chato?



Quase todos os escritores culpam os leitores. Os escritores acadêmicos mais ainda. Mas, cá pra nós, uma boa campanha de incentivo à leitura devia começar com a eliminação de muitos dos escritores.



Últimos bushismos



  oOo Eu acho que a guerra é um lugar perigoso. oOo Vai levar algum tempo para restaurarmos o caos. oOo A África é uma nação que sofre de doenças incríveis. oOo Há que se itir: em minhas frases vou aonde nenhum homem foi antes. oOo Aos maus alunos, eu digo: você também podem chegar à presidência de nosso país. oOo Uma criança que aprendeu a ler e a escrever pode perfeitamente ar num teste de alfabetização. oOo Ouvi dizer que há rumores nas internets. oOo



Brainstorm ou chuva de ideias



Pensando no meu processo criativo, a coisa está mais pra goteira, pra longas infiltrações.


Autor
Ernani Ssó se define como ?o escritor que veio do frio?: nasceu em Bom Jesus, em 1953. Era agosto, nevava. ou a infância ouvindo histórias e, aos 11 anos, leu seu primeiro livro sozinho:Robinson Crusoé. Em 1973, por querer ser escritor, entrou para a Faculdade de Jornalismo, que deixou um ano depois.  Em sua estréia, escreveu para O Quadrão (1974) e QI 14,(1975), publicações de humor. Foi várias vezes premiado. Desenvolve projetos literários para adultos e crianças.

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